14 novembro 2010

PARTILHA

Solidariedade
é um clarão alado
ave que nos ensina
que dar e receber
é um só movimento
pelo mesmo alento
gerado.

Pássaro sem idade
que o sulco do seu voar
junte e imprima
os elos da cadeia
que se quer inteira
de irmão para irmão
em fraterno partilhar.

Nimbado de claridade
há uma candeia a brilhar
plantada em seu interior.
Com ela se ateia a chama
que volteando ao redor
ilumina e incendeia
homens de boa vontade.

Solidariedade
é tecer
a realidade sem sombra.

Solidariedade
é um pássaro de luz
a arder!

Maria Amélia de Vasconcelos

01 novembro 2010

A CASTANHA


Castanheiros-Val d'Oise-França
Chega com o Outono ou, talvez, fiquemos a saber que é Outono quando a vemos, luzidia, com um biquinho claro a contrastar com a cor quente, exposta nas feiras, nos mercados, no comércio em geral, quase a pedir que a rolemos entre as mãos. Se, distraídos, os olhos a não encontrarem, então é o olfacto que a irá descobrir, na via pública, sobre as brasas, dentro de um assador de barro, no carrinho, a banca móvel dos que, até ao começo da Primavera, fazem da venda das castanhas assadas o seu ganha-pão.
O gosto das castanhas assadas, compradas na rua, parece mais apurado, talvez por envolver como que um ritual: o fumo envolvente, ir andando e descascando, as mãos mais quentes, a semente esmagada na boca, numa pasta farinhenta e gostosa. E, em fim de festa, as mãos sujas, após a gula satisfeita, pois não há pecado sem expiação…
Cozida, é igualmente excelente. Para além do sal, pode levar pau de canela, erva-doce, cominhos. Acompanha bem pratos de carne ou aves, em puré ou inteira, segundo o uso ancestral, ou não tenha sido a castanha a base da alimentação dos povos europeus antes da batata, americana de nascimento, ter tomado conta dos nossos hábitos culinários. Conhecida na Europa no século XVI, a batata levou mais de um século a impor-se e, ainda assim, não subiu logo às mesas aristocráticas. É que a verdadeira nobreza tem de se conquistar!
O castanheiro é abundante no nosso país, sobretudo no norte granítico e xistoso. Mais a sul, a excepção é a serra de São Mamede, no Alto Alentejo, cujo coberto vegetal inclui, com densidade apreciável, matas de castanheiros mansos – os soutos. Quer o castanheiro manso, que produz a castanha, quer o castanheiro bravo cuja madeira – o castanho – é usada na marcenaria, são espécies que alcançam grande porte e podem viver centenas de anos.
Os frutos do castanheiro manso, os ouriços, são uns novelos de espinhos forrados de um veludo de cor crua que caem da árvore quando as folhas começam a pintar os rebordos de oiro velho e se deixam levar pelos caprichos do vento. À volta da árvore, os ouriços, abertos em quatro, mostram as sementes lustrosas, duas ou três castanhas que, não só os homens, mas também alguns bichos, deveras apreciam.
Sob a vasta sombra dos castanheiros adultos, podem os caminhantes resguardar-se dos ardores do sol, e, já que o abrigo é propício, muitas comunidades se hão-de ter reunido nesse aconchego para contarem as histórias que, de geração em geração, formariam a tradição oral dos povos. E, enquanto se desfiavam acontecimentos ou a memória refeita deles, terá nascido o costume do magusto, uma «refeição» comunitária que a floresta nos oferece, em toda a pureza do que é natural.
Nalgum desses momentos de descanso ou de convívio, um ou outro ouriço mais lesto, lá no alto, ter-se-á aberto e deixado cair as sementes sobre a cabeça de alguém que, mais pela surpresa do que pela dor, haveria de ter exclamado: «Ui, apanhei uma castanhada!».

Maria Amélia de Vasconcelos

Texto publicado no jornal interno da S.C.da M.do Cartaxo.