08 maio 2011

HOMENAGEM

O convite veio da família mais chegada, família em que, de certo modo, também nos incluímos, pelos laços do afecto que são aqueles que o tempo ou a distância nunca desatam.

Para uma tarde de sábado estava marcada uma homenagem ao nosso amigo que tínhamos acompanhado, em Fevereiro último, numa outra homenagem, com flores, velas e lágrimas.

A sala pequena foi-se enchendo de rostos sorridentes, à volta das mesas onde pousavam poesias inéditas do homenageado. Quem chegou mais em cima da hora, ou com a hora já passada, foi-se arrumando como pôde, de pé, mas a pé firme.

Voluntária e espontaneamente, foram surgindo os testemunhos. No conjunto, delineavam o retrato de um homem bom, sereno, de bem consigo e com o mundo, atento, porém, aos outros e ao seu meio. Dotado de mãos hábeis, construiu, em madeira, miniaturas de móveis com a minúcia, a funcionalidade e a arte que se requerem nos móveis a sério, nos que se guardam nos museus e são património de valia. Essas peças, expostas na sala, receberam os mais elogiosos comentários.
Seguindo-se a cada testemunho, escutou-se a leitura, também espontânea, de alguns dos poemas, de entre os inéditos que estavam disponíveis, ou dos que se iam escolhendo do livro que, em vida do poeta, foi publicado.

A poesia, gravada na sua alma, moldou-lhe a identidade e ficou patente na sua forma de ser e de estar: harmonia, singeleza, transparência e uma absoluta honestidade. Nunca buscou fama nem reconhecimento. Uma boa parte dos seus conterrâneos desconhecia, até, que escrevia e só quando o seu livro viu a luz do dia o soube. Alguns amigos ouviram-lhe, de viva voz, as rimas; outros, mais próximos, admiraram os cadernos nos quais, com uma caligrafia belíssima - arte, também -, guardava, passados a limpo, os poemas.

Nos tempos mais difíceis, afligido por males que a ciência já não podia minorar, os seus «papéis» mantinham-se sempre ao alcance da mão. Julgo que sejam dessa época os versos que se seguem: «Já nada me serve sonhar…/ Nada posso aproveitar/ dos sonhos que hoje tiver.». É visível a consciência de um limite, de um momento que se aproxima. Contudo, as palavras não ficam por registar, são como que uma respiração que ocorre porque, na sua essência, são vida.

Amou a vida e soube vivê-la de acordo com os seus princípios e com o seu sentir.
Partiu com a mesma suavidade com que marcou aqueles que tiveram oportunidade de o conhecer e que, por isso, lhe estão, para sempre, agradecidos.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal interno da S.C.da M.do Cartaxo.