Há poucas semanas aconteceu, em Portugal, um acidente numa mina, em consequência do qual um jovem perdeu a vida. Contava dezanove anos, segundo a notícia, e teria negligenciado os cuidados que a situação laboral requeria, ainda segundo a notícia, que dava voz à justificação emitida pela entidade patronal.
Qualquer acidente tem origem em, pelo menos, uma causa; é um «sucesso repentino ou casual» - assim ensina o dicionário – isto é, ocorre sem aviso e atinge, aleatoriamente, vidas e bens, com maior ou menor dano.
Considero muito dura a profissão de mineiro, tanto ou mais arriscada que a de pescador, pois é agravada por não decorrer ao ar livre e por só ter como fundo sonoro o martelar surdo de engenhos mecânicos.
Ser mineiro comporta muitos riscos, no imediato e no futuro, requer maturidade e consciência dos perigos.
Neste nosso tempo em que é aceite que a juventude se prolonga para além dos trinta anos, pergunto-me qual terá sido a motivação que terá levado um rapaz de dezanove anos a trabalhar numa mina. O emprego que estava mais à mão, por necessidade económica ou por tradição familiar? A falta de oportunidades noutra área? A urgência de juntar uns euros para concretizar um sonho, talvez a compra da primeira moto? São suposições, apenas, sem nenhuma relevância; de concreto sabemos que era jovem, trabalhava como mineiro e terá morrido por descuido pessoal.
Os familiares, os amigos, os colegas de trabalho, recordá-lo-ão enquanto a memória for possível. De imediato, passou a constar de uma lista, a das vítimas de acidente, e a contar para a estatística; e ter dezanove anos e ser mineiro, as suas circunstâncias, não entram nas estatísticas.
Outra história se haveria de ouvir contar, na comunicação social, e ficar vastamente documentada, se um qualquer acidente tivesse atingido, mesmo sem desenlace fatal, um futebolista. Todos desejamos que não ocorram acidentes e que, a ocorrerem, não ceifem vidas. Ah, mas um desaire com um futebolista tem consistência, é notícia nacional que justifica longos artigos escritos, parangonas destacadas – passe a redundância - , entrevistas, opiniões de especialistas nos canais radiofónicos e televisivos. Mais: é uma notícia que permanece em alta durante dias, que mantém informada, com pormenor, uma considerável faixa da população, a qual, ao que parece, não se questiona acerca do material que lhe vai sendo servido.
Tenho o maior respeito por todos os trabalhadores que executem bem as tarefas que é suposto fazerem, sejam os profissionais da mineração, sejam os profissionais do futebol. Admiro muito os desportistas que, com dedicação, consagram o seu lazer e horas e horas do seu descanso, à modalidade da sua eleição, sem outra paga a não ser a alegria da competição leal.
Todos têm lugar e valor na sociedade, são elos da mesma cadeia que é necessário manter íntegra. Por isso, não é possível relativizar: cada vida que se perde vale por si, independentemente do valor de cada uma das outras.
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal interno da S. C. da M. do Cartaxo.