«O Poeta e o Herói são dois milagres; contradizem a Natureza, como duas pedras que voassem.»
Teixeira de Pascoaes (1877-1952)
Vivemos tempos difíceis. Escrevo no plural, nós, pois que me refiro não apenas aos que partilham a mesma identidade nacional, a mesma pátria, que é como quem diz, o solo, o ar, a língua, os costumes, as virtudes e os vícios. Este «nós» abrange a nossa pátria e as pátrias alheias, todas contaminadas por uma degenerescência global que lhes é comum: a avidez pelo lucro, lucro bruto, obtido a qualquer preço, sem ressalva das margens, as de natureza comercial e as de natureza moral, sendo que estas eu considero como leis naturais, semelhantes às que regem o reino animal e o reino vegetal, indispensáveis para uma permanente auto-regulação das espécies.
O lucro desenfreado não se fica pela obtenção de dinheiro. Visa, ao mesmo tempo, conquistar o poder. Associados, dinheiro e poder, ou a inversa, dominam o mundo, estabelecem leis iníquas que esmagam os povos e que sufocam quaisquer tentativas, individuais e coletivas, de alteração do sistema, como seja o estabelecimento de paradigmas sociais e económicos equitativos para os cidadãos.
Tendo vivido duas guerras mundiais e assistido a convulsões políticas e sociais de ordem vária, Teixeira de Pascoaes vislumbrou nos poetas e nos heróis a salvação para os males do seu tempo. Poetas e heróis são milagres, diz-nos este poeta da nossa língua. Têm a dureza da pedra e, tal como as pedras, podem ser armas de arremesso, atingir alvos, mas, também, conferir estabilidade às construções que se querem bem firmadas. Possuem, em contraponto, a leveza de penas, voam, elevam-se, chegam longe e, com a gentileza que lhes é própria, imprimem, onde tocam, marcas de outra índole, marcas no espírito, a que poderemos chamar cultura, ou, até, civilização.
Tempos difíceis necessitam de milagres. Os milagres e a esperança de que ocorram são as duas faces da mesma moeda que é o acreditar que os poetas e os heróis são capazes de traçar, com as palavras certeiras e as ações generosas o caminho de redenção para a sociedade. Os poetas, alimentados pelo pensamento e pela alma; os heróis, sustentados pelo arrebatamento e o coração, estão entre nós e empreendem os seus esforços quotidianamente. Porquê, então, o atual estado das coisas? Porque é que não nos habita uma humanidade mais consciente dos deveres que lhe assistem?
Tenho, para mim, que este é um tempo para o recrutamento de «pedras» que voam, de espíritos com a coragem de recusar os modelos de sociedade que nos são impostos e com imaginação para ensaiar novos modelos. Estes recrutas são poetas e heróis que ainda se não reconheceram como tal. No dia em que despertarem, hão-de engrossar as hostes da mudança. Que não demore esse acordar.
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.