A tradição indica que, no primeiro domingo do Advento, o presépio esteja armado. Presépio – que quer dizer estábulo – é uma palavra antiga que, ao contrário de muitas outras, não sofreu alteração de sentido ao longo do tempo. O seu sentido foi, porém, alargado e enriquecido com a natividade de Jesus, de modo que, quando hoje dizemos «presépio» referimo-nos a uma cena ímpar que terá ocorrido num lugar destinado ao resguardo de rebanhos. O conteúdo, real e simbólico, desta palavra comporta, desde então, uma leitura multifacetada, conforme os saberes e as crenças de quem a faz.
Na nossa cultura cristã, o presépio é a recriação visual do nascimento do Menino-Deus, numa data fixada, por aproximação, mais ou menos imperfeita, para os reais acontecimentos.
É o estábulo, o cenário da história, por assim dizer, que primeiro se deve instalar. E pode ter o aspeto de uma arribana, ou figurar umas ruínas altaneiras, vestígios de castelo, à maneira romântica, ou ser uma simples gruta, forte possibilidade, considerando a orografia ondulante e o clima seco e desolado da Palestina. Depois, irão acrescentar-se as figuras: Maria, José, o Menino, os pastores, e, por último, os magos. Dito assim, parece um quadro natural e terreno, não fora a presença dos que empreenderam longas viagens para virem honrar um rei, aqueles sábios que estudavam os astros e que foram conduzidos até Belém por uma estrela. Antes, ainda, do tributo destas personagens de vulto, tinham vindo ao presépio os humildes pastores, primeiras testemunhas de um acontecimento transcendente. No meio da noite fria, dormindo junto aos rebanhos, foram despertados por um coro de anjos, mensageiros do céu; assim conheceram o local onde o Messias nascera. E correram a adorá-Lo.
Desde o século III da nossa era que são referidas peregrinações a Belém. Mas foi em 1223 que São Francisco de Assis recriou, numa floresta de Greccio, perto da sua cidade, o nascimento de Jesus. Mandou moldar em argila as figuras humanas, tomou um burro e uma vaca e convidou os seus concidadãos para uma missa fora da igreja, na noite de Natal. Nesse cenário e com esses adereços, o Santo fez, de forma viva e ao alcance do entendimento dos presentes, a catequese da Natividade.
As representações do presépio constituíram, desde cedo, temas muito tratados também na pintura.
Na época do Renascimento, as casas nobres da Europa possuíam os seus presépios, verdadeiras obras de arte. Em 1567 está documentado que Constanza , duquesa de Amalfi, mandou fazer um rico presépio com 116 figuras. Em Portugal, no século XVIII, alguns escultores conceberam e moldaram presépios de muito valor. Dois desses artistas – Machado de Castro e António Ferreira – deixaram obras que ainda hoje podemos, felizmente, admirar.
A arte popular mantém vivos os tradicionais bonequinhos de Barcelos e de Estremoz que continuam a produzir-se e a serem apreciados. Às figuras centrais foram-se acrescentando outras: as lavadeiras, os moleiros e os seus moinhos, o povo, no seu labor, casinhas, fontes, poços, pontes…, enfim, elementos que compõem a paisagem rural de um passado (?) não muito distante.
O escritor brasileiro Jorge Amado descreve, no seu romance «Gabriela, Cravo e Canela», um presépio realizado por duas velhas senhoras, trabalho de um ano inteiro, exposto durante a quadra natalícia à apreciação de toda a vila. Era um presépio alargado em cada ano, pois as senhoras iam-lhe acrescentando imagens modernas de todo o tipo, incluindo recortes de revista colados em cartão; as vedetas da época – atores, cantores, literatos, políticos – todos podiam ocupar o seu lugar na representação.
E, pensando bem, não poderá, cada um de nós, tal como somos, caber no Presépio?
Fica a questão. A resposta terá de ser, como se compreende, individual.
Feliz Natal para todos nós.
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.