14 janeiro 2013

PAPEL

Ofereceram-me, há alguns anos, um pequeno bloco de papel de arroz que conservo intacto. É um material de cor crua, macio, sedoso, semi-transparente, que deixa ver, a espaços irregulares, as fibras da planta de que foi fabricado. Retiro-o da gaveta com o intuito de nele escrever ou desenhar, mas acabo sempre por desistir, receosa de que, o que quer que produza, lhe diminua a beleza.
Como se percebe, gosto de papéis, de os tocar, avaliando as texturas, de os dobrar e desdobrar, de os enrolar, de os recortar, de neles imprimir pensamentos, formas ou cores.

Vivemos, de há muitos séculos, «embrulhados», por assim dizer, mesmo quando ainda não existia o papel e era em blocos de argila, seca ao sol ou cozida, que os homens gravavam as leis que regulavam a vida em sociedade, os mitos que lhes conferiam a identidade, enquanto povos, a poesia que os diferenciava, enquanto indivíduos.

No Egito antigo, nas margens do Nilo, crescia o papiro, a planta de cujas fibras se teceram as primeiras folhas a que podemos, pela funcionalidade, pela configuração, pela maleabilidade, pela delicadeza, pela facilidade de escrita que consentem, chamar «papel». A biblioteca de Alexandria guardava – guarda ainda – milhares de rolos de papiro, livros e livros sobre os mais variados temas. Com idêntica importância na Antiguidade, a biblioteca de Pérgamo, na Anatólia (Ásia Menor), há muito desaparecida, também encerrava tesouros de literatura, em rolos de papiro que importava do Egito, o fornecedor do produto na bacia mediterrânica. Fosse porque a procura superava a oferta, fosse porque existisse, de alguma forma, rivalidades entre estas bibliotecas, o certo é que Pérgamo deixou de receber do Egito o suporte para os seus registos escritos. Caso dramático, como se pode imaginar. Mas, porque as necessidades aguçam o engenho, eis que surge um novo material, mais resistente, que haveria de ter longevidade bastante para chegar aos nossos dias e ainda ser usado, em situações restritas de afirmação do poder: o pergaminho.

O pergaminho deve o seu nome à cidade onde terá sido inventado, ao que se diz, por um cidadão de nome Hirodicus. A sua origem é animal; trata-se da pele de animais jovens – cabra, cordeiro, camelo, vitelo – que, depois de curtidas e longamente preparadas, em fases sequenciais, ficam aptas para nelas se poder escrever e pintar. Este material, muito caro, por causa da morosa preparação, fez com que os livros fossem um artigo de luxo, só acessível a muito poucos.
Valeram-nos, então, os chineses, povo muito industrioso que inventou, no século I da nossa era, o papel, cozendo, tratando e laminando fibras vegetais e trapos. As técnicas foram sendo melhoradas e simplificadas e o papel produzido na China «viajou» até à Índia onde os árabes o conheceram. As caravanas transportaram-no pelo mundo, então, conhecido. Assim, chegou à Europa. No caso da Península Ibérica, o local de difusão foi a cidade de Fez, em Marrocos, onde se implantaram florescentes manufaturas de papel na Idade Média.

O linho, o algodão, o cânhamo, a folha de bananeira e, mais recentemente, o pinheiro e o eucalipto são as matérias-primas para os diferentes tipos de papel, hoje produzidos de forma industrial, em larga escala.

Muita coisa mudou no mundo; mas, o nome do suporte sobre o qual agora escrevo, não renega a família de onde provém: papiro.

Caro leitor: que papel tem o papel na sua vida?
Não, não pense nisso, nos papéis que a burocracia nos impõe! Esses só complicam e nos complicam com os nervos! Também não me refiro ao papel-moeda, produto rarefeito, que não é chamado à conversa.
Eu queria, apenas, perguntar, se os papéis lhe fazem companhia, que lugar lhes dá, como são as vossas relações…
Por mim, como já adivinhou, não os dispenso.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

TRONCO DE EUCALIPTO


Refúgio de gnomos