A escassas horas
do seu encerramento, visitei a bienal de artes plásticas de Coruche.
Desde 2003, creio que não devo
ter «falhado» mais do que duas exposições e delas sempre tenho trazido um
sentimento de gratidão.
Ver arte faz bem ao espírito,
alarga-o, oferece-lhe harmonia, ou desarmonia, provoca interrogações, leva à
descoberta de outras abordagens de um tema ou à imaginativa utilização dos
materiais.
Toda a interação entre os objetos
expostos e quem os olha não é inócua nem vã, pois deixa sempre uma marca,
qualquer que ela seja, dure o tempo que durar. É por causa dessa marca que me
sinto grata.
Ver arte é mais do que uma viagem
de observação; é uma migração até ao continente do desassossego interior, onde
só podemos permanecer enquanto o estremecimento o consentir.
Este ano, Coruche deu destaque à
escultura e à instalação. Pintura, cerâmica, trabalhos em madeira de menor
dimensão, ocuparam uma sala, em formato clássico e bem comportado.
Denominada «Percursos com Arte», a
bienal usou o espaço público e levou os visitantes a percorrerem as ruas do
centro histórico, limpíssimas, floridas e bem pavimentadas.
Como os tempos que vivemos são de
recessão económica, uma parte significativa do comércio local fechou portas.
Então, algumas das montras e interiores das lojas tornaram-se o cenário para
que os artistas, reconfigurando o espaço, mostrassem as suas peças; outras
peças/instalações exibiram-se ao ar livre nas ruas, praças e jardins, em
diálogo com a envolvente natural ou edificada.
O catálogo é elucidativo quanto
às notas biográficas dos artistas e respetivos percursos. Não esquece, porém,
os contributos de firmas e instituições que ajudaram a erguer a bienal. Entre
as últimas, destaco os Centros de Dia e as Associações Seniores do
concelho.
Se aos artistas se pede que
estabeleçam os conceitos para as suas criações – já Leonardo da Vince escrevia
que «a arte é coisa mental» - os artesãos, no ativo ou retirados pela sua
idade, detêm saberes de muita valia que a sociedade não pode, nem deve, deixar
de aproveitar.
E, porque o catálogo também tece
agradecimentos às Creches e Jardins de Infância, não posso deixar passar em
claro a ideia que me parece subjacente a esta mostra: os «percursos com arte»
não são só percursos no espaço mas, igualmente, percursos no tempo,
inter-geracionais, em que uns dão o solo estável da experiência, e, outros, dão
o ar e o fogo da irrequietude, próprios dos mais jovens.
Quanto à arte, não escolhe
geografias nem tempos porque é o falar da alma.
Maria
Amélia Timóteo
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.