Homenagem aos Ciclistas do Concelho do Cartaxo |
Terminou o campeonato
mundial de futebol, o acontecimento máximo da modalidade que congrega mais
adeptos em todo o mundo. À volta desse encontro de escala global, movem-se
negócios de muitos milhões: as transmissões dos jogos, via rádio e via TV, a
hotelaria e a restauração, os
transportes, o merchandising – bandeiras, cachecóis, barretes, entre outras
representações icónicas do desporto, elevado a religião, isto sem falar dos
honorários dos jogadores e dos técnicos, valores que roçam o despudor, arremessados
ao rosto de uma sociedade empobrecida.
Tudo gera dinheiro, a
economia agita-se e cria algum emprego temporário. Depois, vem o fim da festa,
o desarmar da feira. Que fica, como lucro real, para o país organizador? Que
benefícios colhe do «apanhar das canas»? Não saberemos nada de tais contas.
Esses números, ainda que sejam publicados, não terão quem os analise ou os
contradiga.
Já lá vai o mundial de
futebol de 2014 e, com ele, o linguajar futebolês (deveria ter anotado uma meia
dúzia de termos que me poderiam valer umas quantas crónicas!) patente nos
relatos, nos comentários nas repetições – numerosas e despropositadas – dos
jogos, nas previsões dos «oráculos» credenciados para os augúrios. O futebolês
é um falar diferente, um dialecto, recheado de expressões novinhas em folha,
criativas algumas, adaptadas ou recicladas, outras, mas sempre muito vivas e
empolgadas, proferidas com a seriedade e a convicção que mereceriam temas como
as guerras e atentados que sangram o mundo, ou a fome que mata, ou as mulheres
e crianças assassinadas, silenciosamente, tão silenciosamente que nem para as
estatísticas contam.
Deixemos o mundial
entrar no limbo, até à próxima edição.
Temos, agora, a
decorrer duas modalidades desportivas em que os portugueses costumam a alcançar
excelentes resultados, com ou sem pódium: o hóquei em patins, quase a terminar,
com mérito para os lusitanos, e o Tour de France, prova na qual, de há muitos
anos a esta parte, os portugueses marcam presença e ganham prémios.
Fala-se muito destes
desportos na comunicação social? Não me parece. Diz-se o mínimo, mostra-se o
mínimo, passa-se à frente para assuntos com mais polpa e sumo, como seja a
compra e a venda de jogadores de…futebol.
No Tour deste ano, participa, entre outros portugueses de coragem
e valor, um rapaz simples e risonho, sem vedetismos, e que usa um nome também
português: Rui Costa. Quem é? Pois é, nem mais nem menos, que o campeão mundial
de ciclismo. Pedala com garra, defende a camisola que veste, como lhe compete.
Ainda não vi – mas eu não sou lá muito atenta a essas coisas – bonés, óculos,
cachecóis, luvas, camisolas, com o seu nome ou, pelo menos, com o seu nome
associado ao logótipo da equipa pela qual corre. O moço merce destaque e o
ciclismo também, tal como outras disciplinas esquecidas que educam o corpo e
ajudam a formar o caráter.
Tenho muito respeito
pelo desporto, em geral. Os gregos, educadores natos, praticavam modalidades
que ainda hoje se mantêm vivas. As que acima citei, mais modernas, aproveitaram
os avanços técnicos que foram surgindo. Desde criança que aprecio
particularmente o ciclismo, talvez por ser cartaxense, da terra de ilustres
ciclistas, talvez por ter conhecido um deles que, tendo real valor, mantinha a
sua oficina de consertos de bicicletas. Era o seu ofício e nele trabalhava, no
passeio fronteiro à sua casa.
Os tempos eram outros.
O maior valor em jogo era, então, o desporto pelo desporto. Suponho que terá
sido esse o valor que José Maria Nicolau, e os da sua geração, colocou mais
alto, ainda que as taças, placas e medalhas ganhas lhe enchessem uma sala.
Maria Amélia de VasconcelosTexto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.