26 junho 2011

SEM TÍTULO

Óleo sobre tela - 24x30

23 junho 2011

OS BALOIÇOS DA CIDADE

Aos domingos no cacimbo
Floriam os baloiços da cidade.

As crianças e os pais
-tinham todos a mesma idade-
indo e vindo baloiçando
riscavam de corpo aberto
a claridade do meio dia.

Jardim das Barrocas, no Miramar
perto a baía era uma clareira
líquida a cintilar
o solo tecido pelas raízes
dos cascos dos navios ancorados.

Parque Heróis de Chaves
jardim cintado de verdura.
Na pausa serena pelas tardes
recebido o pão de ternura
os cisnes se recolhiam.
Riam os pêndulos em coro
seu cantar afinado com os petizes
corolas em hastes de vento
ritmado balançar.

Na Ilha o parque dos animais
o mais plano e singular
entre a areia e o coqueiral.
Era tempo de partilha
local da lisa simplicidade
a troca linear numa língua comum.
Os bichos e a garotada um riso igual
juntam a terra e o céu
convocam o mar ali ao lado.
É o círculo que se quer fechado
com o alvor da primeira estrela
que venha confirmar
que o dia do Senhor
no tempo do cacimbo
se finda a baloiçar.
Maria Amélia de Vasconcelos

18 junho 2011

MEALHA

De há muito está fora de moda esta palavra.
Tal como o vestuário, os móveis, os utensílios, os costumes, as palavras também têm a sua época alta, quando todos as usam de forma adequada; depois, pouco a pouco, vão decaindo até se encobrirem, por completo, sob a poeira do esquecimento. Só uns poucos documentos, tão antigos quanto elas, ainda as registam. São documentos que fazem as vezes de museus, museus de palavras, testemunhas de um falar já perdido e cuja objetividade nos escapa.

Se recuarmos até ao século XIII, e se fosse fácil (que não é) entendermos bem o vocabulário da época, já para não falar na caligrafia, a palavra «mealha», escrita num documento, não ofereceria qualquer dúvida: tratava-se de uma moedita de cobre, de ínfimo valor, que correspondia a metade de um dinheiro português.

Ora, nesse tempo, circulavam em Portugal muitos tipos de moedas: o morabitino velho, moeda forte, ainda árabe, o morabitino afonsino, o branco (de prata) burgalês, que era castelhano, o soldo, que valia doze dinheiros, além de outras; de todas, a menor em tamanho e em valia, era a mealha.

Terminada a vigência da mealha, ficaram-nos, como seu legado, os traços de família, patentes em palavras como «mealheiro» e «amealhar». Estas duraram e eram palavras robustas, cheias de conteúdo, até há duas ou três décadas, usadas por uma parte considerável da população portuguesa, quando amealhar significava pôr de parte algum dinheiro, fosse para uma aflição, fosse para uma ocasião festiva, de maiores gastos, ou para umas férias, ou para pagar os estudos de um filho; enfim, tratava-se de juntar uma quantia tendo em vista um objetivo, evitando, assim, recorrer a outrem para resolver questões que uma boa previsão poderia acautelar. Neste momento, temo que a palavra «amealhar» possa seguir o caminho da bruma que envolveu a mealha.
Quanto ao mealheiro, o objeto, ainda está à venda por aí, nas quinquilharias das feiras, nas lojas de utilidades. A dúvida está em saber se o mealheiro, nos tempos que correm, tem utilidade. Quem o usa, de facto? Ainda se dão moedas às crianças para guardar no mealheiro? Ainda se lhes explicam as vantagens de atitudes como «poupar», «juntar para»?
São perguntas sem resposta.

Espero, no entanto, que as dificuldades económicas que os povos deste mundo global, que é o nosso, estão a viver, levarão os comunicadores, aqueles que formatam a opinião pública, os que apontam caminhos e prevêem tendências, a recuperar a ideia de poupar, quer a nível das famílias, quer a nível dos estados, umas e outros comparáveis a vasos comunicantes, em tempos de aperto do cinto.
É que, mealha a mealha, se pode encher um mealheiro, valha isso o que valer.
Assim se encontrem mealhas.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal interno da S. C. da M. do Cartaxo.