15 novembro 2011

PAI DOS VELHACOS

Abre-se um jornal, liga-se a rádio, a televisão, a internet, e as notícias que nos chegam dão que pensar. Todos os dias nos são ditas palavras inquietantes: empresas que cerram portas, trabalhadores no desemprego, impostos e taxas em alta, diminuição do valor das exportações, metas de bem-estar social que não serão atingidas, redução das ajudas àqueles que delas necessitam para viver, aumento da criminalidade, enfim, relatos de uma situação global em tons de cinzento escuro, à qual ouvimos chamar «crise».

Tal como numa pintura, analisando o quadro, havemos, por força, de encontrar os pontos de luz: um cessar-fogo numa das muitas guerras em curso, uma descoberta científica relevante, um avanço técnico, uma ou outra empresa que se expande, uma individualidade que se destaca numa qualquer área e que poderá servir de farol para quem navega à vista.

Esses pontos de luz são essenciais para que não mergulhemos nas trevas da desesperança. São eles que nos ajudam a caminhar, iluminando objetivos bem definidos e alcançáveis, ainda que os passos sejam miúdos, com paragens, até, para podermos comprovar que marchamos em terreno firme.

Os povos, como os indivíduos, sofrem revezes ao longo da sua história. Portugal tem sofrido vários. As guerras, pestes, fomes, catástrofes naturais, crises políticas, nunca alcançaram, porém, uma dimensão tal que fizessem perigar a identidade nacional. Mesmo o século XVI, o século das índias e dos brasis, foi fértil em infortúnios de vária ordem, incluindo uma certa desagregação do tecido social, com a ascensão rápida de oportunistas que tiveram êxito em empreendimentos à margem do que era consentido, e com o abandono dos campos, na mira de aventuras marinheiras, ou outras, que a maré trouxesse à praia. Lisboa e o Porto aumentaram a sua população à custa de jovens sem ofício nem recursos que chegavam do interior em busca de vida fácil. Eram os «velhacos», designação que hoje achamos pesada, pouco conveniente para se aplicar a gente jovem, mais adequada para homens feitos e vividos. Sem poiso certo, ao acaso, roubavam para comer e, isolados ou em bando, provocavam desacatos e constituíam um perigo para os residentes. Para pôr cobro à situação, foi criado o ofício de «Pai dos Velhacos» nas duas principais cidades, cargo desempenhado por magistrados que tinham como obrigação coibir a vadiagem. Como? Colocando os mariolas em casas abastadas onde ficavam a servir ou em oficinas onde aprendiam um ofício, o que incluía, em ambos os casos, cama e mesa, conforme o uso da época.

O cantor-autor Fausto, no seu álbum «Por este Rio Acima», inclui uma canção – O barco vai de saída – em que se repete, no refrão: «que vida boa era a de Lisboa…». Entendo esse poema como sendo o relato de um «velhaco» que, sem emenda, não teve outro remédio a não ser embarcar numa nau ou numa caravela, rumo ao desconhecido.

Não sei quanto tempo duraram estas medidas, nem sei que resultados alcançaram. Nos sistemas democráticos modernos, elas não podiam, sequer, ser consideradas, pois não se admite o trabalho compulsivo.

Em Portugal, por causa da «crise», faltam os empregos. É uma realidade muito dura, geradora de desalento, quando as estatísticas nos informam que a percentagem do desemprego já ultrapassa os 12%. Porém, trabalho não falta. Todos sabemos que há muito trabalho a fazer e que sempre é possível encontrar uma tarefa adequada para quem tem vontade de a realizar. O problema reside na retribuição, magra que seja, que é devida a quem trabalha, isto é, o dinheirinho, esse «velhaco» que partiu, vadiando, para parte incerta.

Se os leitores souberem onde se acoita esse manhoso, não deixem de informar as autoridades.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

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