15 fevereiro 2012

RUMOR

Gosto desta palavra.
Agrada-me quando a oiço, quando a pronuncio, quando a penso É assim, no singular, que o conceito se torna imagem, com contornos auditivos e visuais. Diria, até, se não fosse abuso ou exagero, que os outros sentidos também conferem dimensão à imagem de «rumor», isto é, a palavra traz um odor fresco, um tatear de seda, um sabor de um fruto a estalar na boca. Reconheço que poderá parecer abusivo convocar os cinco sentidos tradicionais para definir uma palavra simples, apenas porque a acho musical e delicada, e uma das mais bonitas da nossa língua. Os leitores podem discordar, é claro; nem por isso «rumor» descerá na minha tabela de preferências.

Escrito no plural, «rumor» é detestável. Ouvir rumores incomoda-me muito. Os rumores significam boatos e os boatos são gotas de veneno, mesmo que misturadas com apetecíveis manjares. Podem não matar mas causam sempre danos. Os rumores/boatos devem ser tão velhos quanto as sociedades e torna-se impossível, por mais que recuemos no tempo, descobrir o grupo humano que primeiro se deu à prática do «diz que diz». Quem sabe? Talvez o Paraíso fosse aquele lugar abençoado tão somente por não haver condições para os rumores fazerem caminho. Entre Adão e Eva não podia caber a maledicência que só a sociedade pode gerar.

Os rumores propagam-se quase à velocidade da luz, nesta era de meios de comunicação tão rápidos que colocam a notícia ao alcance de um «clique» nos quatro cantos do mundo. A aldeia global em que vivemos debita informação e desinformação, ao mesmo tempo, uma e outra contendo opiniões das «fontes bem colocadas», misturando dados objetivos com fantasias, suposições, interpretações intencionais cujo alcance nos escapa. Nós, os consumidores de informação, não dispomos dos instrumentos que nos permitiriam separar os factos das opiniões que lhes retiram nitidez ou lhes acrescentam pormenores que os desfiguram. Contra a nossa vontade, consumimos, pois, também, rumores, recebemos a nossa quota-parte do veneno. Por causa dos rumores, podem construir-se ou destruir-se reputações, quer estejam em causa os indivíduos ou os grupos, e nem os países escapam aos seus malefícios, alimentados por preconceitos sem fundo de sustentação, apoiados em coisa nenhuma, nascidos não se sabe onde, propagados por não se sabe quem.

Os rumores não têm rosto. Por isso, não necessitam de máscara para se ocultarem. Mas não são cegos nem aleatórios: escolhem a vítima e vão tão longe quanto podem para a abater.

Meditando sobre os prejuízos que os rumores acarretam, tenho pena de que a palavra que é título deste texto tenha, no seu plural, um tão vil significado. Vale , aqui, o ditado: «no melhor pano…».

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

Sem comentários :

Enviar um comentário