O Jornal da Santa Casa da Misericórdia do Cartaxo apresenta, nas suas páginas, uma rubrica de culinária.
As receitas são recolhidas entre os utentes da instituição, particularmente as senhoras, que guardam na memória, ou em caderninhos manuscritos, os pratos que preparavam em suas casas, saberes que generosamente partilham com os leitores. Essas receitas são, em suma, testemunhos das vivências de uma nação que soube adicionar à sua dieta ancestral alimentos ou condimentos usados noutras culturas com as quais entrou em diálogo.
A arte da culinária tradicional portuguesa reside na utilização, na justa medida, dos ingredientes obtidos localmente, aos quais se adicionam pitadas de exotismo que os tornam apetecíveis e únicos. Exemplos desta apropriação são às centenas. Lembremos, tão só, a canela, que se impôs na doçaria, e a pimenta, que espevita os aromas dos pratos salgados. Aliás, no âmbito das conservas de carne – os enchidos – os países asiáticos, a África e o Brasil desvendaram-nos uma vasta gama de produtos sem os quais não se alcançariam os sabores que tanto apreciamos, nós e os estrangeiros que têm a sorte de provar a genuína cozinha portuguesa. Afinal, que seria de um chouriço sem o caráter que os cominhos, a noz moscada ou o cravinho marcadamente lhe conferem?
Mas nem só de exotismos vive a nossa comida. No nosso país abundam as plantas aromáticas: hortelã da ribeira, louro, manjericão, funcho, tomilho, mostarda, e outras espécies que, desde tempos imemoriais, aprendemos a usar, ou na alimentação ou na farmacopeia, como mezinha.
Nos tempos atuais dispomos de grande variedade de alimentos, os naturais e os processados industrialmente: congelados, secos, em calda, em pó…A escolha é vasta e depende do gosto, da carteira e do bom senso de cada consumidor, isto é, a consciência de que o valor nutritivo de um alimento é tanto maior quanto mais natural ele se apresenta, é um fator a ter em conta na hora da decisão.
Relendo este escrito, verifico que talvez tenha entrado, sem pedir licença, na rubrica «Comidinha da Avó». Já que assim foi, e para não voltar atrás no tema da presente crónica, reforço a intromissão e deixo, aqui, uma receita simples e deliciosa que nem sequer necessita de lume para a sua confeção. Tomamos um abacate, fruto tropical oriundo da América, parecido com uma grande pêra. Esmagamos a polpa, juntamos um pouco de sal, sumo de limão, alho e coentros muito picadinhos. Obtemos uma pasta, excelente para barrar o pão ou bolachas e à qual se chama, na América latina, «guacamole». Se, em vez destes ingredientes, juntarmos à polpa do abacate açúcar e canela, temos uma sobremesa de fazer cantar os anjos.
Termino as Palavras Roladas de hoje prometendo, a mim mesma, não voltar à escrita em hora que não me parece ser a mais indicada para tal… É que, antes do almoço, cai-me este exercício na fraqueza e resvalo para a culinária.
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.
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