Em Portugal, qualquer estação do ano pode ter dias de céu nublado. Este ano de 2012 foi pobre de chuvas mas rico de nuvens, mais ou menos estéreis, que não cumpriram o que os homens delas requerem: que lhes dêem água, a água líquida que mata a sede, e a da rega, a que encharca a terra que os alimenta. As nuvens, que nos pareciam carregadas, cobrindo o céu, varria-as o vento, a seu gosto, para longe dos campos que se iam ressequindo até ao nível da grande carência hídrica que afligiu todo o país. Mesmo os cúmulos, os grande castelos que apresentam formas assombrosas limitando o horizonte, esses gigantes grossos de chuva, desfizeram-se em névoa ou partiram, a desaguar de outros céus.
Neste outono que vivemos têm surgido, felizmente, nuvens esforçadas e benfazejas cuja ação dispersou as poeiras do ar e já fez reverdecer algumas plantas.
Noutro plano, o social, as nuvens prenunciam-nos tormenta.. É pesado o céu que nos cobre, sem rasgos de azul que nos confortem. De todas as nuvens que pairam, as mais ameaçadoras, a meu ver, são as do desemprego. Todos os dias encerram empresas. Todos os dias aumenta o número de desempregados, uma cifra já muito alta que não dá mostras de querer diminuir. O drama das famílias às quais, faltando o salário, faltam todos os recursos para poderem subsistir, é uma dor a que não ficamos alheios. As instituições que têm como missão socorrer os mais desprotegidos fazem o que podem; na verdade, vão mais além do que aquilo que podem pois, também elas, vivem tempos de vacas magras, traduzidos na escassez dos meios de que dispõem para ajudar. Estamos perante a situação a que os gregos antigos, os pais do teatro, chamavam «tragédia». Vivia-se uma tragédia quando um mal ultrapassava a esfera do privado – e era um drama – e se alargava ao coletivo, com consequências para toda uma nação.
Por ora, não se vislumbram abertas neste céu carregado que pesa sobre a Europa. Porém, a esperança obriga a que continuemos de olhos erguidos, não propriamente «nas nuvens», como quem se distancia do real, num deslumbramento sem causa, mas atentos aos sinais que, não sabemos quando, hão-de alentar-nos e apontar-nos caminhos se salvação, enquanto povos.
E, porque acima falámos de esperança, convém lembrar que, e são registos da História, os tempos difíceis são férteis em avanços das ciências, das tecnologias, das artes, incluindo a arte de bem governar.
E, porque este texto tem como título «Nuvens», o termo, no singular, aplica-se, agora, a uma nova técnica de guardar e disponibilizar informação na Internet. Esta técnica permite aceder, mediante um código, aos dados armazenados, a partir de qualquer local, desde que se disponha de um computador. Para este procedimento, diz-se que a informação se encontra guardada na «nuvem».
É um facto: as palavras são múltiplas nos seus significados. Alguns desvanecem-se ou alteram-se com o passar do tempo; outros, reinventam-se com a frescura de um nascimento.
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.