17 novembro 2012

NÚVENS

Em Portugal, qualquer estação do ano pode ter dias de céu nublado. Este ano de 2012 foi pobre de chuvas mas rico de nuvens, mais ou menos estéreis, que não cumpriram o que os homens delas requerem: que lhes dêem água, a água líquida que mata a sede, e a da rega, a que encharca a terra que os alimenta. As nuvens, que nos pareciam carregadas, cobrindo o céu, varria-as o vento, a seu gosto, para longe dos campos que se iam ressequindo até ao nível da grande carência hídrica que afligiu todo o país. Mesmo os cúmulos, os grande castelos que apresentam formas assombrosas limitando o horizonte, esses gigantes grossos de chuva, desfizeram-se em névoa ou partiram, a desaguar de outros céus.

Neste outono que vivemos têm surgido, felizmente, nuvens esforçadas e benfazejas cuja ação dispersou as poeiras do ar e já fez reverdecer algumas plantas.

Noutro plano, o social, as nuvens prenunciam-nos tormenta.. É pesado o céu que nos cobre, sem rasgos de azul que nos confortem. De todas as nuvens que pairam, as mais ameaçadoras, a meu ver, são as do desemprego. Todos os dias encerram empresas. Todos os dias aumenta o número de desempregados, uma cifra já muito alta que não dá mostras de querer diminuir. O drama das famílias às quais, faltando o salário, faltam todos os recursos para poderem subsistir, é uma dor a que não ficamos alheios. As instituições que têm como missão socorrer os mais desprotegidos fazem o que podem; na verdade, vão mais além do que aquilo que podem pois, também elas, vivem tempos de vacas magras, traduzidos na escassez dos meios de que dispõem para ajudar. Estamos perante a situação a que os gregos antigos, os pais do teatro, chamavam «tragédia». Vivia-se uma tragédia quando um mal ultrapassava a esfera do privado – e era um drama – e se alargava ao coletivo, com consequências para toda uma nação.

Por ora, não se vislumbram abertas neste céu carregado que pesa sobre a Europa. Porém, a esperança obriga a que continuemos de olhos erguidos, não propriamente «nas nuvens», como quem se distancia do real, num deslumbramento sem causa, mas atentos aos sinais que, não sabemos quando, hão-de alentar-nos e apontar-nos caminhos se salvação, enquanto povos.

E, porque acima falámos de esperança, convém lembrar que, e são registos da História, os tempos difíceis são férteis em avanços das ciências, das tecnologias, das artes, incluindo a arte de bem governar.
E, porque este texto tem como título «Nuvens», o termo, no singular, aplica-se, agora, a uma nova técnica de guardar e disponibilizar informação na Internet. Esta técnica permite aceder, mediante um código, aos dados armazenados, a partir de qualquer local, desde que se disponha de um computador. Para este procedimento, diz-se que a informação se encontra guardada na «nuvem».
É um facto: as palavras são múltiplas nos seus significados. Alguns desvanecem-se ou alteram-se com o passar do tempo; outros, reinventam-se com a frescura de um nascimento.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

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