Uma das mais conhecidas fábulas
de La Fontaine
é a que nos conta que, um certo dia, a Lebre desafiou a Tartaruga para uma
corrida. Sabendo que era muito mais ágil e rápida do que a opositora, a Lebre
compareceu no ponto de partida mas, como, em breve, o seu avanço era notório,
decidiu fazer uma sesta e deixou-se cair, bocejando, à sombra de uma árvore.
Quando acordou, a Tartaruga era
só um ponto escuro, lá ao longe, pertinho da meta. Recomposta do espanto, a
Lebre lançou-se a toda a velocidade, tentando recuperar o tempo perdido. Tarde
de mais, contudo, pois, quando, sem fôlego, chegou à meta, já a Tartaruga a
tinha transposto e esperava, pacientemente, ver reconhecida a sua vitória.
Não ficamos a saber se a Lebre se
irritou com o desfecho da aposta ou se tentou inventar boas desculpas para
justificar a sua derrota. O estado de espírito das personagens não é chamado
para a história. E ainda bem, pois, assim, quem conhece a fábula, pode
especular sobre que final, em sua opinião, melhor convirá, e, por assim dizer,
poderá prosseguir até onde a sua imaginação o levar, desde que não ofenda a
dignidade dos simpáticos animais que foram escolhidos para espelharem os
comportamentos humanos.
Ora, com a liberdade que nos dá
«recontar» uma história consabida, vamos trazê-la para a atualidade, mantendo
as personagens e o cenário da ação.
E ficaria como segue a velha
fábula:
Numa fresca manhã de Junho ( ou de qualquer outro mês), a Tartaruga,
que estava de férias, dispôs-se a viajar para conhecer mundo.
Achando perigosa a auto-estrada, decidiu enveredar por um caminho de
terra que atravessava uma floresta.
Pára aqui, pára ali, acercava-se de uma clareira no preciso momento em
que o seu telemóvel tocou. Atendeu a chamada um pouco contrariada pois o número
era desconhecido.
- Sim?
- Olá, comadre Tartaruga. Daqui fala a Lebre. Lembra-se de mim?
- É claro que me lembro…
E na testa da Tartaruga formou-se uma ruga de desconfiança.
- Soube, através de um e-mail de um amigo que a comadre anda em passeio
- Hum…sim.
- Então, ocorreu-me que poderia passar aqui pela minha toca, descansava
e podíamos, depois, fazer juntas um pouco de exercício.; talvez uma corrida.
Que acha da ideia? Topa?
- Ó comadre, a sua ideia até podia ser gira mas não posso aceitá-la. É que, ainda ontem, estive a ver um filme em que uma Lebre, atrevida e insolente, desafiava
uma Tartaruga simplória para uma corrida. Era uma história antiga, com um
argumento fraquinho, um desempenho
medíocre…
- Mas, comadre, se calhar não gostou do filme porque a Lebre ganhou,
sem dúvida, a corrida e…
- Engana-se, comadre! A vencedora foi a Tartaruga que não perdeu tempo,
sempre com o fito de chegar à meta. E, quer saber a melhor? A Lebre, enquanto a
Tartaruga caminhava, esteve a dormir! Hi…hi…hi…
- Comadre, isso são histórias. Agora, em pleno século XXI, uma coisa
dessas não tem cabimento.
- Anda distraída, comadre. Não
lê os jornais? Não assiste aos noticiários? Agora, como dantes, há sempre quem
queira divertir-se à custa dos mais fracos, ou dos mais ingénuos…
- Eu não faria tal coisa, comadre. Respeito-a muito, como sabe.
- Sei, sim, comadre
Lebre. Mas eu estou noutra. Desloco-me ao meu ritmo, com a minha casinha sempre
a jeito, pronta a acampar onde mais me convier. Não me interessam corridas.
Cada um tem as suas metas e agora aquela que quero atingir é muito simples: ver
o mundo para tentar conhecê-lo melhor.
Com estas palavras acabo a versão
moderna da fábula. Quem quiser poderá acrescentar-lhe outras palavras ou virar
do avesso toda a narrativa. Tanto faz.
Se alguma moral se pode tirar da
versão que aqui deixo é que os ingénuos são só ingénuos; não são tolos. E, mais
tarde ou mais cedo, aprendem a manter à distância os vivaços que encontram pelo
caminho.
Maria
Amélia Timóteo
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.