20 julho 2013

FÁBULAS

Uma das mais conhecidas fábulas de La Fontaine é a que nos conta que, um certo dia, a Lebre desafiou a Tartaruga para uma corrida. Sabendo que era muito mais ágil e rápida do que a opositora, a Lebre compareceu no ponto de partida mas, como, em breve, o seu avanço era notório, decidiu fazer uma sesta e deixou-se cair, bocejando, à sombra de uma árvore.
Quando acordou, a Tartaruga era só um ponto escuro, lá ao longe, pertinho da meta. Recomposta do espanto, a Lebre lançou-se a toda a velocidade, tentando recuperar o tempo perdido. Tarde de mais, contudo, pois, quando, sem fôlego, chegou à meta, já a Tartaruga a tinha transposto e esperava, pacientemente, ver reconhecida a sua vitória.
La Fontaine retira da fábula a seguinte moral: mais vale quem luta para atingir um objetivo do que quem, facilmente, o pode atingir mas não se esforça o bastante para lá chegar.
Não ficamos a saber se a Lebre se irritou com o desfecho da aposta ou se tentou inventar boas desculpas para justificar a sua derrota. O estado de espírito das personagens não é chamado para a história. E ainda bem, pois, assim, quem conhece a fábula, pode especular sobre que final, em sua opinião, melhor convirá, e, por assim dizer, poderá prosseguir até onde a sua imaginação o levar, desde que não ofenda a dignidade dos simpáticos animais que foram escolhidos para espelharem os comportamentos humanos.
Ora, com a liberdade que nos dá «recontar» uma história consabida, vamos trazê-la para a atualidade, mantendo as personagens e o cenário da ação.
E ficaria como segue a velha fábula:

Numa fresca manhã de Junho ( ou de qualquer outro mês), a Tartaruga, que estava de férias, dispôs-se a viajar para conhecer mundo.
Achando perigosa a auto-estrada, decidiu enveredar por um caminho de terra que atravessava uma floresta.
Pára aqui, pára ali, acercava-se de uma clareira no preciso momento em que o seu telemóvel tocou. Atendeu a chamada um pouco contrariada pois o número era desconhecido.
- Sim?
- Olá, comadre Tartaruga. Daqui fala a Lebre. Lembra-se de mim?
- É claro que me lembro…
E na testa da Tartaruga formou-se uma ruga de desconfiança.
- Soube, através de um e-mail de um amigo que a comadre anda em passeio
- Hum…sim.
- Então, ocorreu-me que poderia passar aqui pela minha toca, descansava e podíamos, depois, fazer juntas um pouco de exercício.; talvez uma corrida. Que acha da ideia? Topa? 
- Ó comadre, a sua ideia até podia ser gira mas não posso aceitá-la.  É que, ainda ontem, estive a ver um filme em que uma Lebre, atrevida e insolente, desafiava uma Tartaruga simplória para uma corrida. Era uma história antiga, com um argumento fraquinho, um desempenho medíocre…
- Mas, comadre, se calhar não gostou do filme porque a Lebre ganhou, sem dúvida, a corrida e…
- Engana-se, comadre! A vencedora foi a Tartaruga que não perdeu tempo, sempre com o fito de chegar à meta. E, quer saber a melhor? A Lebre, enquanto a Tartaruga caminhava, esteve a dormir! Hi…hi…hi…
- Comadre, isso são histórias. Agora, em pleno século XXI, uma coisa dessas não tem cabimento.
 - Anda distraída, comadre. Não lê os jornais? Não assiste aos noticiários? Agora, como dantes, há sempre quem queira divertir-se à custa dos mais fracos, ou dos mais ingénuos…
- Eu não faria tal coisa, comadre. Respeito-a muito, como sabe.
- Sei, sim, comadre Lebre. Mas eu estou noutra. Desloco-me ao meu ritmo, com a minha casinha sempre a jeito, pronta a acampar onde mais me convier. Não me interessam corridas. Cada um tem as suas metas e agora aquela que quero atingir é muito simples: ver o mundo para tentar conhecê-lo melhor.

Com estas palavras acabo a versão moderna da fábula. Quem quiser poderá acrescentar-lhe outras palavras ou virar do avesso toda a narrativa. Tanto faz.

Se alguma moral se pode tirar da versão que aqui deixo é que os ingénuos são só ingénuos; não são tolos. E, mais tarde ou mais cedo, aprendem a manter à distância os vivaços que encontram pelo caminho.

Maria Amélia Timóteo
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.

2 comentários :

  1. E se a tartaruga , funcionária pública e com um monte de filhos - alguns jovens licenciados outros a viverem o rendimento mínimo- tivesse que penhorar a casa para ajudar os filhos ? Viu-se obrigada a aceitar a aposta de 6000@ .
    Claro que no dia da realização do evento já lhe tinham tirado a casa , e assim , sem esse peso e na expectativa dos proventos , lá partiram as duas .
    Claro que a tartaruga voltou a ganhar !E o dinheirinho ? - 25% arrecadou o estado e o restante comeu-o o banco . nessa noite a pobre viu-se obrigada a por mais ovos para alimentar a família ...
    Beijocas .
    Adoro a tua escrita
    C de V

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois, pois, está bem visto! A tartaruga também podia enviar os doutozinhos para o estrangeiro, sempre seguia os «altos conselhos» e seria politicamente correta... Enfim, quantos finais poderíamos imaginar!
      Bjs

      Eliminar