Nós, portugueses, gostamos de
usar diminutivos a propósito de tudo e nada. Usamo-los para as coisas pequenas,
ou que queremos fazer crer que o são, desvalorizando-as; mas, sobretudo, com
sentido carinhoso ou valorativo. Nesta aceção, ouvimos dizer que fulano tem uma
«vidinha» confortável e despedimo-nos desejando «saudinha»; enfim, poderíamos
trazer à conversa uma torrente de exemplos para demonstrar que os diminutivos
estão, por assim dizer, na ponta da língua da gente lusitana.
Nos encontros SentiArte, uma
amiga questionou-me, algumas vezes, acerca de uma canção interpretada por Milú
num dos filmes produzidos na década de quarenta do século XX. Eu recordava-me
do filme, mas a música que tinha no ouvido era a que os Xutos divulgaram, numa
versão rock em que só usaram a primeira estrofe da letra. Porém, neste nosso
mundo ágil na comunicação, nada mais fácil do que recorrer à internet, procurar
a canção e ouvi-la no original. Foi o que fiz e fiquei surpreendida com a
qualidade do som, muito límpido, e pela orquestração, muito rica e trabalhada.
No que respeita à letra, ela corresponde a uma certa corrente ideológica cujos
valores assentam na pequenez, com ou sem diminutivos, e na felicidade que se
alcança (?) sendo-se modesto, humilde e – valor dos valores – não tendo
ambições, o que julgo ser contra-natura pois nunca conheci ninguém que não
albergasse, dentro de si, uma ambição, qualquer que ela fosse. Resumindo: a
canção chama-se, ou é conhecida como «A Casinha», casinha que é uma
água-furtada, em Alfama, onde mora uma jovem ladina que, assim reza o refrão,
considera que «quase sempre o lar dos pobres/ tem mais alegria». É um retrato
da pobreza urbana, assumida e contente (?) com a sua sorte.
O «cancioneiro» nacional de
meados do século XX tem vastos exemplos de tal mentalidade. Quem não se lembra
de «Uma Casa Portuguesa» onde «fica bem/ pão e vinho sobre a mesa…»? E mais:
com «o sol da primavera» a bater nas «quatro paredes caiadas», « basta um
pouco, um poucochinho para alegrar/ uma existência singela…». É a versão rural
da mesma felicidade urbana que, no dizer da pedagoga Irene Lisboa, consiste em
ter uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma.
No programa «Melodias de Sempre»
que, há décadas, a RTP transmitia e ia repetindo, lembro parte de uma canção cujo
título desconheço. Assim se cantava: «…sem ambições/ cada qual seu pão
granjeia/ e à noite há serões/ à luz da candeia.». Tudo se mantém, pois,
ordenado, bucólico, sereno, despojado, sem o sobressalto das ambições. A luz da
candeia é frouxa, é certo, mas, ainda assim, é uma luz!
O século XX terminou com
legítimas ambições: tetos mais altos do que os das mansardas, algumas proteínas
e vitaminas sobre a mesa, luz elétrica para que se pudesse ler e espreitar o
mundo através de um écran. Na verdade, estas ambições, no século XXI, não foram
ainda plenamente alcançadas.
Enquanto escrevo e vou relendo o
que atrás fica registado, sinto que a ideologia do pequenino, do poucochinho,
se encontra latente, talvez pronta a instalar-se às claras, pois os tempos difíceis
são propícios ao baixar dos braços, ao desfalecimento das ambições.
E, sem ambições, e porque elas
têm a natureza dos sonhos com raízes na terra, nada prospera. Alerta, pois! E
que vivam as ambições!
Maria
Amélia Timóteo
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.
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