Regresso
de umas curtas, mas pausadas, férias e trago comigo o som do mar, o cheiro das
marés, a coreografia das ondas e mais as esculturas das brechas, poças e vãos
que elas escavam, com infinita persistência, na rocha dura que se atreve a
chegar-se mais perto da mole de água que vai e vem, ao ritmo sábio da natureza.
A
contemplação do mar nunca me cansa. O seu leque de cores não é imitável em
nenhuma obra que o homem empreenda, por mais perfeita que seja. Apenas se criam
aproximações, «impressões» do olhar num dado instante. Disso – e de outras
impressões – falaram largamente os pintores impressionistas há mais de cento e
cinquenta anos. Hoje as suas obras continuam a maravilhar-nos pela técnica e
pela intuição com que esses mestres souberam captar o momento. São belíssimas
pinturas que, particularmente, admiro. Mas o mar transcende todas as abordagens
da Arte. Mesmo a música, a mais abstrata e espiritual de todas as artes, apenas
roça, ao de leve, o que de sublime o mar envolve.
Estive,
pois, junto do mar e, da sua inexcedível beleza, acabo de dar testemunho.
Porém,
os meus olhos viram outras realidades.
Encontrei
pessoas com as quais estabeleci breves contactos, pessoas de várias idades, com
vidas vividas com um sorriso, apesar dos dramas que carregam. Falei com jovens
com empregos a curto prazo, à espera de «saltarem» para qualquer outra situação
nebulosa, sem horizontes nem contornos de esperança. Também eles sorriem,
talvez só por serem jovens, pois a situação social está em maré baixa e, em
termos de ofertas de trabalho, pouco propícia à alegria genuína. Falei com
pessoas com projetos, coisas simples como pescar dois ou três peixes numa tarde
de lazer; ou outros, mais complicados, como editar um livro, resultado de anos
de observação, imaginação e estudo…
Deixo
para o fim o que deveria ter sido o corpo principal deste texto: a indignação.
É uma indignação visceral que, cada vez mais, me impele a que diga BASTA a
tanta poluição que nos rodeia. E não é poluição produzida pela busca de conforto,
o conforto a que todos temos direito. Não. Trata-se de sujidade, lixo que
alguns – presumo que muitos – largam por onde passam: pontas de cigarros,
embalagens de vidro, de plástico, de metal, papelão, papeis, enfim, detritos de
toda a ordem, largados onde calha, na casa comum que é o espaço público. O
local desta incivilidade deveria ser o cartão de visita de uma vila que vive do
turismo, a Praça Sá Carneiro, da Foz do Arelho, exemplo acabado da falta de
cultura para a cidadania que, infelizmente, é endémica entre nós. O nome
honrado de um português ilustre fica mal quando atribuído a um espaço tão
degradado.
Há
dois ou três anos tinha estado junto ao cais da Lagoa e, na sua modéstia, era
um lugar harmonioso e limpo, onde apetecia parar. Agora, é uma lástima, uma dor
de alma passar por ali.
Fiz
esse caminho algumas vezes para aproveitar do trilho pedonal lançado para
preservar o meio natural, à beira da água. A construção desse caminho, com
cartazes interpretativos, mostra que houve sensibilidade por parte das
entidades públicas. Talvez faça falta, então, alguma vigilância para evitar
que, por contágio, se chegue à situação lamentável da praça do cais, o que me
parece muito provável pois é no cais que começa o trilho e, bem perto deste
início, encontra-se o parque para caravanas, um sítio deprimente, sem as
condições mínimas de apresentação e, certamente, de conforto.
O
forçado convívio com o desleixo deixou um travo amargo nas minhas férias.
Até
quando permitiremos que alguns estraguem um bem que é de todos?
Maria
Amélia Timóteo
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.
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