22 setembro 2013

REGRESSO À FOZ

Regresso de umas curtas, mas pausadas, férias e trago comigo o som do mar, o cheiro das marés, a coreografia das ondas e mais as esculturas das brechas, poças e vãos que elas escavam, com infinita persistência, na rocha dura que se atreve a chegar-se mais perto da mole de água que vai e vem, ao ritmo sábio da natureza.

A contemplação do mar nunca me cansa. O seu leque de cores não é imitável em nenhuma obra que o homem empreenda, por mais perfeita que seja. Apenas se criam aproximações, «impressões» do olhar num dado instante. Disso – e de outras impressões – falaram largamente os pintores impressionistas há mais de cento e cinquenta anos. Hoje as suas obras continuam a maravilhar-nos pela técnica e pela intuição com que esses mestres souberam captar o momento. São belíssimas pinturas que, particularmente, admiro. Mas o mar transcende todas as abordagens da Arte. Mesmo a música, a mais abstrata e espiritual de todas as artes, apenas roça, ao de leve, o que de sublime o mar envolve.

Estive, pois, junto do mar e, da sua inexcedível beleza, acabo de dar testemunho.
Porém, os meus olhos viram outras realidades.
Encontrei pessoas com as quais estabeleci breves contactos, pessoas de várias idades, com vidas vividas com um sorriso, apesar dos dramas que carregam. Falei com jovens com empregos a curto prazo, à espera de «saltarem» para qualquer outra situação nebulosa, sem horizontes nem contornos de esperança. Também eles sorriem, talvez só por serem jovens, pois a situação social está em maré baixa e, em termos de ofertas de trabalho, pouco propícia à alegria genuína. Falei com pessoas com projetos, coisas simples como pescar dois ou três peixes numa tarde de lazer; ou outros, mais complicados, como editar um livro, resultado de anos de observação, imaginação e estudo…

Deixo para o fim o que deveria ter sido o corpo principal deste texto: a indignação. É uma indignação visceral que, cada vez mais, me impele a que diga BASTA a tanta poluição que nos rodeia. E não é poluição produzida pela busca de conforto, o conforto a que todos temos direito. Não. Trata-se de sujidade, lixo que alguns – presumo que muitos – largam por onde passam: pontas de cigarros, embalagens de vidro, de plástico, de metal, papelão, papeis, enfim, detritos de toda a ordem, largados onde calha, na casa comum que é o espaço público. O local desta incivilidade deveria ser o cartão de visita de uma vila que vive do turismo, a Praça Sá Carneiro, da Foz do Arelho, exemplo acabado da falta de cultura para a cidadania que, infelizmente, é endémica entre nós. O nome honrado de um português ilustre fica mal quando atribuído a um espaço tão degradado.
Há dois ou três anos tinha estado junto ao cais da Lagoa e, na sua modéstia, era um lugar harmonioso e limpo, onde apetecia parar. Agora, é uma lástima, uma dor de alma passar por ali.
Fiz esse caminho algumas vezes para aproveitar do trilho pedonal lançado para preservar o meio natural, à beira da água. A construção desse caminho, com cartazes interpretativos, mostra que houve sensibilidade por parte das entidades públicas. Talvez faça falta, então, alguma vigilância para evitar que, por contágio, se chegue à situação lamentável da praça do cais, o que me parece muito provável pois é no cais que começa o trilho e, bem perto deste início, encontra-se o parque para caravanas, um sítio deprimente, sem as condições mínimas de apresentação e, certamente, de conforto.
O forçado convívio com o desleixo deixou um travo amargo nas minhas férias.
Até quando permitiremos que alguns estraguem um bem que é de todos?
 
Maria Amélia Timóteo
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.

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