Ao Carnaval não podemos aplicar a
frase feita que aplicamos ao Natal: «que é quando o homem quiser».
É sempre possível haver júbilo
quando uma criança vem ao mundo. Mas a gargalhada franca, a mofa, a exibição do
avesso do quotidiano, têm época própria, a não ser que falemos da comédia que
se representa sobre um palco, no cinema ou na televisão.
A comédia, como género teatral, é
a forma mais inteligente de rirmos de nós próprios olhando os vícios, os modos
e os tiques da sociedade da qual somos o espelho.
A comédia, na Grécia antiga,
exigia aos atores o uso de uma máscara vermelhusca, de sorriso grotesco que, só
por si, induzia o riso. Já a máscara da tragédia era pálida, cantos da boca
descaídos, rugas na testa, sinais externos de que se iriam tratar, em cena,
assuntos sérios e graves, com clamores lamentosos: anúncios de guerras,
traições, a desonra de uma família nobre, a queda de uma casta ou, mesmo, de
uma cidade.
Comédia e tragédia eram formas de
unificação do pensamento ou, o mesmo é dizer, transmitiam ensinamentos que
visavam a coesão social em torno dos princípios e valores considerados
fundadores de uma nação.
Os géneros teatrais dos nossos
dias já não podem catalogar-se, assim, tão estritamente, como eram a comédia e
a tragédia no mundo antigo.
Bem lá no fundo, porém, é
possível encontrar uma ou outra, quando não os laivos de ambas, em discursos
enredados, em mimetismos e metamorfoses, de modo que já é muito difícil
distinguir qual é a hora do riso ou a das lágrimas. As coisas são, agora,
impossíveis de arrumar em categorias e, quando se tenta simplificar, ficam
muitos espaços em branco.
É um mundo muito complexo, o
nosso; de modo que, quando os meios de
comunicação nos servirem folias, talvez
seja avisado duvidar um pouco para perceber se haverá um fundo obscuro nas
entrelinhas da comédia.
Maria
Amélia de Vasconcelos
Excerto
do texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.