30 março 2014

COMÉDIA

……………………………………………………………………………………………
Ao Carnaval não podemos aplicar a frase feita que aplicamos ao Natal: «que é quando o homem quiser».
É sempre possível haver júbilo quando uma criança vem ao mundo. Mas a gargalhada franca, a mofa, a exibição do avesso do quotidiano, têm época própria, a não ser que falemos da comédia que se representa sobre um palco, no cinema ou na televisão.
A comédia, como género teatral, é a forma mais inteligente de rirmos de nós próprios olhando os vícios, os modos e os tiques da sociedade da qual somos o espelho.
A comédia, na Grécia antiga, exigia aos atores o uso de uma máscara vermelhusca, de sorriso grotesco que, só por si, induzia o riso. Já a máscara da tragédia era pálida, cantos da boca descaídos, rugas na testa, sinais externos de que se iriam tratar, em cena, assuntos sérios e graves, com clamores lamentosos: anúncios de guerras, traições, a desonra de uma família nobre, a queda de uma casta ou, mesmo, de uma cidade.
Comédia e tragédia eram formas de unificação do pensamento ou, o mesmo é dizer, transmitiam ensinamentos que visavam a coesão social em torno dos princípios e valores considerados fundadores de uma nação.

Os géneros teatrais dos nossos dias já não podem catalogar-se, assim, tão estritamente, como eram a comédia e a tragédia no mundo antigo.
Bem lá no fundo, porém, é possível encontrar uma ou outra, quando não os laivos de ambas, em discursos enredados, em mimetismos e metamorfoses, de modo que já é muito difícil distinguir qual é a hora do riso ou a das lágrimas. As coisas são, agora, impossíveis de arrumar em categorias e, quando se tenta simplificar, ficam muitos espaços em branco.
É um mundo muito complexo, o nosso;  de modo que, quando os meios de comunicação  nos servirem folias, talvez seja avisado duvidar um pouco para perceber se haverá um fundo obscuro nas entrelinhas da comédia.

Maria Amélia de Vasconcelos
Excerto do texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.

Sem comentários :

Enviar um comentário