Cameleira |
Hoje é domingo de Páscoa. Chuva miúda, de manhã; chuva grada, de tarde, desmentindo o adágio «Natal ao sol, Páscoa ao forno», já que, o Natal passado, também foi cinzento e molhado. A não ser que o ditado popular se refira ao ano civil e a um Natal ainda por acontecer, o que me parece improvável pois a ronda das festividades anuais reporta-se a tempos muito remotos e a calendários diferentes daquele que agora usamos.
Para os hebreus, a Páscoa assinala a saída do povo de Deus do Egito, país para onde haviam migrado ao longo de séculos. A palavra «Páscoa» significa passagem, a passagem de um país rico, mas onde os hebreus eram estrangeiros, para a terra prometida onde haveriam de fundar o seu país. Tratou-se do movimento de uma nação ao encontro do solo onde edificariam uma pátria.
O jantar da última noite em terra alheia foi carne de cordeiro cujo sangue serviu para marcar a ombreira da porta da casa de cada família hebraica.
Hoje, a Páscoa, no calendário cristão, celebra a Ressurreição de Jesus Cristo e o cumprimento das profecias messiânicas.
Entre os resíduos das memórias antigas, avulta o costume de, na Páscoa, se comer cabrito ou cordeiro assado. Quanto às amêndoas e ao folar, se escavarmos bem o passado, também haveremos de encontrar a origem do seu consumo nesta quadra.
Deixo cair o tema porque, nesta Páscoa, estou predisposta a falar, sobretudo, no presente.
As escolas fecharam para a pausa letiva habitual. Não há aulas; retemperam-se as forças para enfrentar o 3º período e a avaliação final.
Em Portugal, porém, este ano, muitos meninos têm férias diferentes: diariamente vão à sua escola, ou a uma escola próxima, não para aprenderem matérias curriculares mas para subsistirem enquanto pessoas, isto é, para matarem a fome, para terem uma refeição digna desse nome. As cantinas das escolas, nas férias, não podem fechar porque a fome, entre as crianças, é um grito que se escuta em vários registos: olhares baços, bocas que já não riem, violência súbita, laços de amizade que afrouxam ou se quebram. Pais e avós recorrem às cantinas sociais, depois de esgotadas todas as reservas de amor próprio, e procuram ajuda, a mais urgente e imediata. As crianças em idade escolar oriundas dessas famílias, já aprenderam que as férias são, apenas, um tempo sem aulas, mas que o seu itinerário semanal não muda porque a necessidade de alimento a tal obriga.
No caminho de pobreza que trilham, temo que esta seja uma aprendizagem nefasta que pode estrangular, talvez em definitivo, a auto-estima. Temo que esta «ombreira marcada» para o «êxodo» não signifique um caminho de libertação e de justiça.
Para as crianças portuguesas, para todas elas, desejo que a Páscoa seja de alegria e que não haja lugar para amêndoas amargas.
Maria Amélia de Vasconcelos
20 de Abril de 2014
20 de Abril de 2014
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.