22 abril 2014

PÁSCOA

Cameleira 
Hoje é domingo de Páscoa. Chuva miúda, de manhã; chuva grada, de tarde, desmentindo o adágio «Natal ao sol, Páscoa ao forno», já que, o Natal passado, também foi cinzento e molhado. A não ser que o ditado popular se refira ao ano civil e a um Natal ainda por acontecer, o que me parece improvável pois a ronda das festividades anuais reporta-se a tempos muito remotos e a calendários diferentes daquele que agora usamos.

Para os hebreus, a Páscoa assinala a saída do povo de Deus do Egito, país para onde haviam migrado ao longo de séculos. A palavra «Páscoa» significa passagem, a passagem de um país rico, mas onde os hebreus eram estrangeiros, para a terra prometida onde haveriam de fundar o seu país. Tratou-se do movimento de uma nação ao encontro do solo onde edificariam uma pátria.
O jantar da última noite em terra alheia foi carne de cordeiro cujo sangue serviu para marcar a ombreira da porta da casa de cada família hebraica.
Hoje, a Páscoa, no calendário cristão, celebra a Ressurreição de Jesus Cristo e o cumprimento das profecias messiânicas.
Entre os resíduos das memórias antigas, avulta o costume de, na Páscoa, se comer cabrito ou cordeiro assado. Quanto às amêndoas e ao folar, se escavarmos bem o passado, também haveremos de encontrar a origem do seu consumo nesta quadra.
Deixo cair o tema porque, nesta Páscoa, estou predisposta a falar, sobretudo, no presente.

As escolas fecharam para a pausa letiva habitual. Não há aulas; retemperam-se as forças para enfrentar o 3º período e a avaliação final.
Em Portugal, porém, este ano, muitos meninos têm férias diferentes: diariamente vão à sua escola, ou a uma escola próxima, não para aprenderem matérias curriculares mas para subsistirem enquanto pessoas, isto é, para matarem a fome, para terem uma refeição digna desse nome. As cantinas das escolas, nas férias, não podem fechar porque a fome, entre as crianças, é um grito que se escuta em vários registos: olhares baços, bocas que já não riem, violência súbita, laços de amizade que afrouxam ou se quebram. Pais e avós recorrem às cantinas sociais, depois de esgotadas todas as reservas de amor próprio, e procuram ajuda, a mais urgente e imediata. As crianças em idade escolar oriundas dessas famílias, já aprenderam que as férias são, apenas, um tempo sem aulas, mas que o seu itinerário semanal não muda porque a necessidade de alimento a tal obriga.
No caminho de pobreza que trilham, temo que esta seja uma aprendizagem nefasta que pode estrangular, talvez em definitivo, a auto-estima. Temo que esta «ombreira marcada» para o «êxodo» não signifique um caminho de libertação e de justiça.

Para as crianças portuguesas, para todas elas, desejo que a Páscoa seja de alegria e que não haja lugar para amêndoas amargas.

Maria Amélia de Vasconcelos
20 de Abril de 2014
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.


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