25 janeiro 2015

MIRÓ

A comunicação social portuguesa, ultimamente, não tem falado de Miró, ou, mais exactamente, das obras do pintor catalão que se encontram em Portugal, fruto de um investimento em arte realizado por um banco que, entretanto, faliu , e o qual o governo de então «salvou», assumindo as suas dívidas. Ora, quando se assume uma dívida de tantos dígitos, também se assume o património da entidade falida, o que, ao que parece, terá acontecido. Por essa razão, ficou a pertencer ao estado português um conjunto valioso de desenhos e pinturas que se encontram guardadas em território nacional.

Talvez alguns leitores não estejam lembrados de quem foi Miró, Joan Miró. Trata-se de um artista plástico nascido perto de Barcelona em 1893. É mundialmente admirado e estudado, estando muitas das suas obras expostas nos museus mais conceituados. Foi também escultor, realizando peças de arte urbana, e igualmente ceramista, em colaboração com um amigo de infância (Artigas) que tinha uma oficina de oleiro.

Os primeiros desenhos que dele se guardam datam de 1901 e já revelam perfeição, tendo em conta que são obra de uma criança. Desde então não mais parou de desenhar e pintar, apesar de, por parte do pai, não receber estímulos nesse sentido. O pai, estabelecido como ourives e relojoeiro, decidiu que ele seguiria um curso comercial. O jovem acatou a decisão paterna e fez o curso, ao mesmo tempo que, como aluno voluntário, frequentava a Escola de Arte de Barcelona. Nesses primeiros anos de ensino artístico apreendeu os rudimentos que darão, à sua obra, um sentido de perfeito equilíbrio espacial e de domínio das cores puras que utilizava, no início, sem sombras nem esbatidos. Prosseguiu estudos em Paris, viajou, estabeleceu relações de amizade duradouras com intelectuais e outros artistas, participou em exposições colectivas e individuais. Foi recebendo críticas, algumas  elogiosas , mas a fama internacional só o alcança quando chega à maturidade, no período entre as duas guerras.

Não podemos catalogar o «seu estilo», porquanto, como a maioria dos artistas, foi experimentando várias técnicas e novas abordagens aos temas durante a sua longa vida. Sabe-se que cada obra era maduramente pensada e executada com rigor, num trabalho árduo de muitas horas diárias. Homem reservado, vivia em família e para a sua arte. Mesmo na juventude, não terá integrado tertúlias de amantes da boémia e dos excessos. Estamos, pois, em presença de alguém que construiu, pela força do querer e pela aplicação, uma carreira sólida e reconhecida.

Do acervo de trabalhos provindos do banco nada sei e acho, até, que poucos saberão. Sei o que se disse e que me entristece: será vendido em leilão quando a lei o permitir. Pergunto-me, no entanto: não seria bom para a cultura que essas obras fossem expostas, em Portugal, antes que o conjunto se desmembre e o seu rasto se perca? Uma exposição não se organiza de um momento para o outro, é certo, e os custos que envolve são altos. Mesmo assim! Não merecerão os portugueses, ainda que por dois ou três meses, usufruir de um bem nacional que, provavelmente, não voltará a estar reunido nunca mais?

Penso neste assunto com alguma frequência. Para minha satisfação, há umas semanas atrás, ouvi na rádio, a escritora Lídia Jorge emitir sobre ele uma opinião muito sustentada em que defendia que, antes que a alienação aconteça, as obras deveriam ser expostas. Alguém, com poder de decisão, ouviu Lídia Jorge? Quem dera que sim!
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da  S. C. M. do Cartaxo.