A comunicação social
portuguesa, ultimamente, não tem falado de Miró, ou, mais exactamente, das
obras do pintor catalão que se encontram em Portugal, fruto de um investimento
em arte realizado por um banco que, entretanto, faliu , e o qual o governo de
então «salvou», assumindo as suas dívidas. Ora, quando se assume uma dívida de
tantos dígitos, também se assume o património da entidade falida, o que, ao que
parece, terá acontecido. Por essa razão, ficou a pertencer ao estado português
um conjunto valioso de desenhos e pinturas que se encontram guardadas em
território nacional.
Talvez alguns leitores
não estejam lembrados de quem foi Miró, Joan Miró. Trata-se de um artista
plástico nascido perto de Barcelona em 1893. É mundialmente admirado e
estudado, estando muitas das suas obras expostas nos museus mais conceituados.
Foi também escultor, realizando peças de arte urbana, e igualmente ceramista,
em colaboração com um amigo de infância (Artigas) que tinha uma oficina de
oleiro.
Os primeiros desenhos
que dele se guardam datam de 1901 e já revelam perfeição, tendo em conta que
são obra de uma criança. Desde então não mais parou de desenhar e pintar,
apesar de, por parte do pai, não receber estímulos nesse sentido. O pai,
estabelecido como ourives e relojoeiro, decidiu que ele seguiria um curso
comercial. O jovem acatou a decisão paterna e fez o curso, ao mesmo tempo que,
como aluno voluntário, frequentava a Escola de Arte de Barcelona. Nesses
primeiros anos de ensino artístico apreendeu os rudimentos que darão, à sua
obra, um sentido de perfeito equilíbrio espacial e de domínio das cores puras
que utilizava, no início, sem sombras nem esbatidos. Prosseguiu estudos em
Paris, viajou, estabeleceu relações de amizade duradouras com intelectuais e
outros artistas, participou em exposições colectivas e individuais. Foi
recebendo críticas, algumas elogiosas , mas
a fama internacional só o alcança quando chega à maturidade, no período entre
as duas guerras.
Não podemos catalogar o
«seu estilo», porquanto, como a maioria dos artistas, foi experimentando várias
técnicas e novas abordagens aos temas durante a sua longa vida. Sabe-se que
cada obra era maduramente pensada e executada com rigor, num trabalho árduo de
muitas horas diárias. Homem reservado, vivia em família e para a sua arte.
Mesmo na juventude, não terá integrado tertúlias de amantes da boémia e dos
excessos. Estamos, pois, em presença de alguém que construiu, pela força do
querer e pela aplicação, uma carreira sólida e reconhecida.
Do acervo de trabalhos
provindos do banco nada sei e acho, até, que poucos saberão. Sei o que se disse
e que me entristece: será vendido em leilão quando a lei o permitir.
Pergunto-me, no entanto: não seria bom para a cultura que essas obras fossem
expostas, em Portugal, antes que o conjunto se desmembre e o seu rasto se
perca? Uma exposição não se organiza de um momento para o outro, é certo, e os
custos que envolve são altos. Mesmo assim! Não merecerão os portugueses, ainda
que por dois ou três meses, usufruir de um bem nacional que, provavelmente, não
voltará a estar reunido nunca mais?
Penso neste assunto com
alguma frequência. Para minha satisfação, há umas semanas atrás, ouvi na rádio,
a escritora Lídia Jorge emitir sobre ele uma opinião muito sustentada em que
defendia que, antes que a alienação aconteça, as obras deveriam ser expostas.
Alguém, com poder de decisão, ouviu Lídia Jorge? Quem dera que sim!
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto
publicado no jornal da S. C. M. do
Cartaxo.Maria Amélia de Vasconcelos
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