25 julho 2015

GUERNICA

GUERNICA - Tecto das Casas da Junta - 2015

Foto de: Maria Amélia de Vasconcelos 

22 julho 2015

GUERNICA - PEÇA EM TRÊS ATOS

Quente, muito quente, assim entrou o verão este ano e assim se tem mantido, pelo menos no centro/sul do país. Alguns ameaços de trovoada, sem efetivas consequências, não têm chegado para descolorir este bom tempo que reclama por pausas nos afazeres, tempo de férias para quem as pode gozar. E, quando tal não é possível, uma excursão de um dia, ou de meia dúzia de dias, já vale para quebrar as rotinas e descansar o espírito.

Há três semanas tive a oportunidade de usufruir de um breve intervalo que aproveitei para conhecer melhor o País Basco. É um encanto viajar pela Cordilheira Cantábrica, ver a água deslizar pelos leitos em declive, adivinhar, entre as copas das árvores, de um verde sempre novo, o solo túmido, sempre pronto para gerar vida. E o mar sempre por perto, mesmo quando a cortina vegetal oculta à vista o Golfo de Biscaia.

As cidades, ricas em monumentos e em arquitetura contemporânea de qualidade, têm vindo a afirmar-se por um crescimento não agressivo, quer em altura, quer em volumetria. Se existem ou existiram desequilíbrios ecológicos, eles não se deixam aperceber pelos olhos apressados dos turistas, esses espreitadores sem tempo para minúcias.

Nunca tinha estado em Guernica.

No entanto, em termos históricos, Guernica era-me familiar, enquanto cenário de um horror sem ressalvas, muito para além de um episódio sangrento de uma qualquer guerra. O que se passou em Guernica foi um massacre intimidatório para memória indelével de contemporâneos e vindouros, para que não ousassem nunca mais querer o que o poder instituído proibia.

Em termos artísticos, o quadro conhecido com o nome da cidade, pintado por Picasso em tons de cinzento e negro (que outras cores poderia usar para representar um alegoria àquela violência gratuita? Talvez o rubro do sangue e do fogo!), leva multidões a admirá-lo no Museu do Prado. É assim que Guernica continua a clamar em uivos de dor, uma dor que não conhece paliativos.

Julgava conhecer, em traços fortes, toda a tragédia. Não conhecia. Antes deste terceiro ato tinham-se desenrolado os anteriores, menos divulgados, e resumidos como segue:

1º ato: numa aldeola dos arrabaldes, as mulheres, com as suas pequenas crianças agarradas às saias, lavavam a roupa no tanque comunitário. Ouviu-se o roncar dos motores de um avião a partir do qual foi descarregada sobre o grupo a metralha necessária para fazer o que tinha de ser feito: matar, estropear, ferir, amedrontar, calar.

2º ato: num domingo, os católicos de três lugarejos assistiam à missa na única igreja existente. Passou um avião e, sobre aquela comunidade em oração, foram disparados tiros até que o pequeno templo se desmoronou esmagando todos os que estavam lá dentro.

De horror em horror, no 3º ato foi usada – testada – uma bomba para que a terra tremesse e se rasgasse, e nem o carvalho ao redor do qual, desde tempos muito remotos, os povos se reuniam para administrar a justiça e decidir do seu rumo, subsistisse. A árvore não terá sido queimada, assim se diz. Também não foram queimadas as Casas da Junta ou Assembleia, conjunto de construções frente às quais se dispuseram, fardados, os voluntários ingleses que estavam no país. Pouparam-se as instituições bascas, os seus símbolos, ou os estrangeiros, quando ainda era cedo para declarar a guerra ao Reino Unido, guerra que envolveria grande parte do mundo?

Como recordação, e por amabilidade do guia, trouxe de Guernica uma folha de carvalho, de um dos muitos carvalhos que por lá se encontram. Não gostaria de a perder porque gosto de cuidar da memória, mesmo quando dói.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da  S. C. M. do Cartaxo.