01 fevereiro 2011

AS UNHAS DO TEMPO

As unhas do tempo
não se desgastam

Riscam sem descanso
nos umbrais das madrugadas
as pedras os musgos
a corrente dos rios
e tecem os fios tensos
que ajustam
os gravetos dos ninhos
cunhais das moradas
e marcam as aladas viagens
das sementes.

As unhas do tempo
no exacto tempo em que escrevo
escavam imparáveis
reconhecíveis sinais
de permanente mudança
das cores vivas ao desmaio
até ao denso cinzento
das estátuas.

Num momento
nós e as coisas
mesmo a rosa a rosa
de pele de espuma
dilacerados
apartados do ser e do sentir

imprestáveis coisa nenhuma
sem contorno ou dimensão
cortina a dividir
os astros de outros astros
átomos em suspensão a pairar
escassamente duráveis
segundo a humana compreensão
somos a presa das unhas do tempo
seu perene sustento
o alimento
da poeira estelar.

Maria Amélia de Vasconcelos

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