As unhas do tempo
não se desgastam
Riscam sem descanso
nos umbrais das madrugadas
as pedras os musgos
a corrente dos rios
e tecem os fios tensos
que ajustam
os gravetos dos ninhos
cunhais das moradas
e marcam as aladas viagens
das sementes.
As unhas do tempo
no exacto tempo em que escrevo
escavam imparáveis
reconhecíveis sinais
de permanente mudança
das cores vivas ao desmaio
até ao denso cinzento
das estátuas.
Num momento
nós e as coisas
mesmo a rosa a rosa
de pele de espuma
dilacerados
apartados do ser e do sentir
imprestáveis coisa nenhuma
sem contorno ou dimensão
cortina a dividir
os astros de outros astros
átomos em suspensão a pairar
escassamente duráveis
segundo a humana compreensão
somos a presa das unhas do tempo
seu perene sustento
o alimento
da poeira estelar.
Maria Amélia de Vasconcelos
Palavras Roladas é um espaço de simples reflexão acerca das palavras que usamos na linguagem de todos os dias e, porventura, de outras, menos gastas, quando convier. As imagens visuais hão-de infiltrar-se, seguras da sua eficácia. Palavras roladas, como os seixos que o vento e o movimento das águas afeiçoaram, como frutos. Então, os olhos encontram-nos e a mão recolhe-os e aquece-os um momento para, mais além, os devolver à praia onde outros olhos e outras mãos os hão-de descobrir e dar calor.
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