Vivemos sujeitos, em simultâneo, às dimensões que mais condicionam a vida humana: o espaço e o tempo. Uma e outra podem medir-se, de acordo com escalas convencionais que, alterando-se com o evoluir das civilizações, são, salvo raras exceções, universalmente aceites. Podemos, assim, utilizar palavras como «ano», «mês», «dia», «hora», no que concerne ao tempo, pois estes conceitos são compreensíveis pela maior parte dos povos. Do mesmo modo, a dimensão «espaço» também é entendível, usando o vocabulário específico para as distâncias, os acidentes geográficos, a rosa-dos-ventos, mais a latitude, a longitude, a altitude. Com estes dados nos vamos situando, ao cimo da Terra, usando as palavras que indicam o tempo em que algo ocorreu e as que referem o lugar onde tal acontecimento se deu.
Os povos, necessitando de preservar a memória coletiva, foram registando os acontecimentos mais marcantes das suas vivências. A História, enquanto ciência, e usando os métodos que lhe são próprios, «arruma» essas etapas e estabelece-lhes enquadramentos coerentes.
Para ajudar a manter vivas as lembranças relevantes para a sua coesão, os povos sentiram necessidade de criar os seus «dias nacionais», feriados civis, quando são lembrados os heróis fundadores, as datas dos tratados que criaram os países ou definiram as fronteiras, os artistas, os cientistas, em resumo, destacar os dias em que se pretende estreitar mais os laços em torno da ideia, um tanto ou quanto abstrata, de pátria .Pela mesma razão – estreitar os laços – celebram-se os dias santos que, marcadamente religiosos, interagem, também, com a vida civil, na medida em que influenciam o decurso do quotidiano: comércio encerrado, menos transportes públicos, festejos locais, enfim, as alterações próprias dos dias especiais. Em Portugal, no ano corrente, entre feriados civis e dias santos, teremos, salvo erro, umas catorze datas a assinalar.
Desde há umas décadas, têm sido criados, um pouco por todo o mundo, os «dias de…», às vezes com o intuito de homenagear ou por em relevo uma causa, ou uma categoria de pessoas ( criança, idoso, mulher…), a que nem sempre é alheio o intuito do ganho comercial.. Estes «dias de…» podem ser nacionais, europeus, internacionais ou mundiais, conforme se assinalam em espaços geográficos cada vez mais abrangentes.
Tenho aberta, na minha frente, uma agenda para 2011 e verifico que, por exemplo, em Novembro, o dia 15 evoca a Linguagem Gestual Portuguesa, e o dia 21 celebra o Dia Internacional da Saudação. Não vem mal ao mundo por nos fazerem lembrar a importância da linguagem gestual. E é bom não esquecer, também, que o mínimo que podemos fazer, é saudarmo-nos uns aos outros, prática, aliás, a cair em desuso, mas que não deveríamos deixar cair, pelo menos quando entramos ou saímos de um local onde se encontra alguém, conhecido ou não. Saudar, com a voz ou o gesto, é «salvar», «dar a salvação», desejar o bem-estar, a saúde ao nosso semelhante. Mas, pergunto-me se andaremos tão distraídos com o que se passa, que tenha de se criar «um dia» que nos assinale aquilo que deveria fazer parte da nossa mais elementar memória.
No mês de Maio, os «dias de…» são, ao todo, 16! Destes, três têm mais do que uma causa a destacar. O dia 31 evoca o Pescador, e só temos que aplaudir, agradecidos, todos os dias, quem exerce uma profissão tão dura e perigosa. O mesmo dia, é «Dia Mundial sem Fumo», o que me confunde um pouco, pois não alcanço o seu exato significado. Não lançar mais fumo para a atmosfera, já tão saturada e enferma? Excelente razão! Impedir que se faça a fogueirita fumarenta onde se hão-de assar as primeiras sardinhas da época quente? Não lançar foguetes? Não acender velas votivas? Dar descanso aos bombeiros que, a 28 do mesmo mês, têm o seu «dia mundial»? Repito: este «dia sem fumo» vai além do meu entendimento. Talvez mereça, mesmo, uma refleção séria, ponderando todas as razões para não haver fumo, as quais serão, naturalmente, muitas. Ocorre-me agora que – quem sabe? – possa ser o dia em que os sinais de fumo, linguagem antiquíssima, estarão, de todo, proibidos…
Em todo o caso, hei-de estar atenta à data para não destoar das boas intenções com que, mundialmente, foi criado este «dia de…».
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal interno da S.C.da M.do Cartaxo.
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