17 agosto 2011

SALTOS ALTOS

A moda, fenómeno sujeito a fluxos e refluxos, vive, naturalmente, da inspiração dos criadores, dos avanços técnicos e da aceitação, mais ou menos empenhada, dos consumidores.
No que toca ao calçado feminino, a moda tem vindo a impor sapatos muito coloridos, decorados com arrojo, trabalhados, muitas vezes, com materiais pouco convencionais.

Se não considerarmos as sabrinas e outros «rasteirinhos» que aparecem todos os verões, sazonais como os figos maduros, os sapatos modernos têm crescido em altura e, de tal maneira têm crescido, que dá gosto apreciá-los nas vitrines ou nas revistas, como objetos de arte que, alguns, de facto, são. Apoiados em plataformas ou em saltos desmesurados, enfeitam-se de tiras, franjas, lâminas, escamas, fivelas, fechos, tachas, botões, flores, transparências, pedraria brilhante, combinam cores e decorações, de modo que visam, em síntese, não deixar indiferente quem os contempla.
«Contemplar» não será a palavra mais comum quando se trata de sapatos. Mais adequado seria tratarmos da funcionalidade e do conforto, ou antes, mais adequado seria perguntarmos se tal calçado corresponde às necessidades de quem o usa. Visto nos pés das modelos, nas «passerelles», tudo parece fluir em harmonia; mas, nas ruas e calçadas das povoações, transpondo passeios, buracos e desníveis, como se comporta? Usa-se «porque sim», porque é moda! Acredito, porém, que no fim de um dia de utilização, as mulheres a quem um par de sapatos acrescentou alguns centímetros à estatura, hão-de sentir um enorme alívio ao descalçá-los.
Não mencionarei, é claro, os males que o uso continuado de saltos altos pode acarretar. Isso fica a cargo dos médicos ortopedistas que sabem, exatamente, quais os danos previsíveis.

Falarei, isso sim, de um certo paralelismo que encontro entre «crescer» à custa de saltos altos e o episódio de Ícaro, o jovem que, segundo a mitologia grega, concebeu e usou umas asas de cera que lhe permitiram voar e elevar-se acima da sua terráquea condição. Atingiu o intento e subiu um pouco, até que o calor do sol lhe derreteu a cera das asas e, em consequência, o fez despenhar-se sobre o mar.
Exemplos da ânsia humana de elevação, a qualquer preço, podemos encontrar vários, em diferentes épocas históricas. Se nos situarmos, apenas, na atualidade e atentarmos nas dificuldades que os países, presentemente, sofrem, será fácil chegarmos à conclusão que «asas de cera» e «saltos altos» podem estar na origem de muitos males, como as quedas a pique e as entorses sociais de que somos testemunhas e parte.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal interno da S. C. da M. do Cartaxo.

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