21 setembro 2011

FIO

Fio é uma daquelas palavras pequeninas, muito roladas, que nos chegou diretamente do latim, herança que os romanos deixaram – entre outras – aos povos que submeteram.
A palavra sugere, de imediato, uma imagem de coisa frágil, delicada, prestes a romper-se ao menor incidente. É uma imagem, apenas, pois a partir de um fio, ao qual se juntam muitos outros fios, torcidos em conjunto, se chega a um calabre, isto é, um grosso cabo próprio para a amarração dos barcos, ou para o equilíbrio de um funâmbulo, num número de circo.

Finos, porém muito resistentes, são os fios que as aranhas e os bichos-da-seda produzem, maravilhas da vida animal, as quais, por serem comuns, nem sempre valorizamos.
Com fios de algodão ou de linho se fazem os pavios. De fio a pavio, do essencial – o fio – ao funcional – o pavio – se firma um trajeto que vai da opacidade à luz. O pavio só brilha quando mergulhado e embebido numa qualquer gordura que, enquanto se consome, o consome, até que fique só um morrão quase negro, apenas o vestígio daquilo que já foi claridade.

Este caminho do fio ao pavio faz parte do nosso vocabulário sempre que nos interessa conhecer algo a fundo. Dizemos, então, que vamos «saber», ou «ver», ou «investigar», de fio a pavio, tal ou tal assunto. Partimos com um objetivo: estudar um caso desde as suas raízes mais remotas e avançar, passo a passo, até às últimas consequências, ao morrão, quando do pavio não restar, sequer, um único fio.
É um caminho a que não faltam obstáculos. Há passos que levam a becos sem saída ou a encruzilhadas que apontam em várias direções, de modo que o caminhante hesita, gasta tempo, confunde-se, irrita-se, pode desistir, perdendo, assim, o fio à meada.

Tudo isto vem a propósito dos muitos casos que a comunicação social traz até nós, todos os dias. Alguns são de interesse nacional ou, mesmo, supranacional. Gostaríamos de lhes conhecer os fundamentos, os desenvolvimentos, as conclusões. Gostaríamos…, mas, é escasso o que nos é dado, não passa de um emaranhado de factos (?) soltos, interpretações desencontradas, suspeições nebulosas, às vezes gratuitamente maldosas. Este material informativo (?) não serve para que possamos ir de fio a pavio. Falta-lhe a segurança das raízes e o encadeado dos passos para alcançarmos a conclusão. Talvez, por isso, a maioria de nós, tenha perdido o fôlego para chegar ao fundo das questões, já que esses casos que explodem gritantes e urgentes vão sendo devorados pelo silêncio que se vai instalando ao seu redor, como uma cápsula estanque. O tempo, que corre sem pausas, e esse silêncio acerca do que era, antes, um clamor, enfraquecem-nos a memória.

Diz-se, e com razão, que um povo sem memória é um povo sem história.
Tenhamos coragem, quer individual, quer enquanto povo, para não deixarmos apagar a chama.
Só com o morrão, já não encontraremos o caminho.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal interno da S. C. da M. do Cartaxo.

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