16 junho 2013

CALOS

Os verbos que se referem a ações são, geralmente, palavras descomplicadas e fáceis de reconhecer. Ainda assim, alguns ganham peso, ficam substantivos. Quando ouvimos «jantar» e não sabemos o contexto em que a palavra é aplicada, tanto se pode tratar da refeição do fim do dia (substantivo) como do ato de ingerir comida (verbo).
Isto é apenas um exemplo entre tantos outros que poderíamos apontar.
Um verbo que usamos com frequência, quer na sua mais simples aceção, quer em frases feitas ou ditados populares, é «calar». Ainda que pareça simples, quantos significados tem, verdadeiramente, «calar»? É não emitir qualquer som? É não responder, por palavras, a uma interpelação? É guardar um segredo? É levar a que o interlocutor fique em silêncio ou desista de uma qualquer intenção? É, ou poderá ser, tudo isto, dependendo das circunstâncias em que «calar» for usado.

O indicativo presente do verbo calar é «eu calo». Ora, «calo» poderá ser um substantivo, quando aplicado à pele espessa e endurecida das mãos ou dos pés, testemunhos de trabalhos pesados ou de sapatos apertados, ou, no plural, «calos», como chamamos às marcas que a vida deixa no nosso espírito, as dolorosas, entenda-se, pois que as que não doeram não são calos, mas recordações felizes.

Na linguagem de todos os dias, já ouvimos a expressão «pisar os calos». É um sentido figurado que quer dizer magoar alguém, ofender profundamente. E há mais: a virtude da prudência ( ou os telhados de vidro!) que se expressa no ditado: «quem tem calos não se mete em apertos». E ainda o discurso de alguém que é, ou se considera, muito experiente num determinado assunto: «já tenho muito calo…». E mais o discurso daquele que, sendo humilde ou humilhado por outrem, se lamenta: «como e calo».

E de outros calos poderíamos falar: o pequeno triângulo cavado numa melancia para espreitar o interior e ver se está vermelhinha, a cicatriz que assinala, numa árvore, o ponto em que se fez uma enxertia, a calcificação ao redor de uma fratura óssea…

Relendo o que escrevi, acho que me calo, agora, enquanto é tempo, antes que alguém, perdida a paciência, me mande calar.

Maria Amélia Timóteo
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.

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