No começo de cada ano, quando se
formulam os votos de saúde, paz e prosperidade para a ronda dos 365 dias,
parece-me que ficará bem falar de luz: a luz do pensamento, do discernimento, a
luz do olhar que nos permite fazer as escolhas e as rejeições, a luz da
inspiração, se pensarmos nos atos criativos das artes e das ciências.
Precisamos de luz, apenas três letras, palavra curta, rápida de proferir, plena
de significados, decisiva nas nossas existências.
Agora que a energia elétrica
permite que se faça luz tocando num simples botão, custa imaginar a vida dos
tempos antigos, sem os recursos da modernidade.
Os romanos e os outros povos do
Mediterrâneo, usavam, para a iluminação, a candeia, ou lucerna, objeto de barro
liso ou decorado onde o azeite, impregnando o pavio, se ia consumindo para
afastar as trevas.
A palavra candeia vem diretamente
do latim, com poucas alterações, como, aliás, muitas outras que usamos. Já
candil, que é uma lanterna suspensa, é uma palavra de origem árabe. A função é
a mesma: iluminar. O óleo usado também é o mesmo: o azeite. A diferença é que a
pequena candeia tem uma pega e pode levar-se na mão para onde se quer, enquanto
o candil é pesado e ilumina, com vários pavios, a partir do alto, um
compartimento de uma casa. Uma e outro usam-se, ainda, nalguns países do norte
de África e do próximo Oriente. Nos templos católicos, o lampadário que indica
a presença do divino, é alimentado a azeite.
A oliveira é a mãe deste produto
que tem tão vastas aplicações. O fruto é consumido como tal, com geral agrado. Espremido,
obtem-se o azeite que é luz, alimento, remédio para dores, bálsamo para
feridas, matéria-prima para as indústrias de saboaria e de cosmética. A árvore
pode viver séculos, sempre produtiva. Em
Maio, cobre-se de uma flor miudinha, branca, a que, em Portugal, chamamos
candeio, como que a lembrar a candeia na qual o óleo a haver será consumido.
O ciclo do azeite inicia-se a
meio do inverno, com a prova do azeite novo, da azeitona que foi colhida no
final do outono/princípio do inverno. É por essa altura – 2 de Fevereiro – que
se celebra o dia de Nossa Senhora das Candeias ( a Candelária, no Brasil), ou
Nossa Senhora da Purificação ou, ainda, Nossa Senhora da Luz, culto que foi
difundido em Portugal a partir do século XV. A data deste culto à Virgem é
fixa, quarenta dias após o nascimento de Jesus, quando as mulheres que tinham
dado à luz um varão deveriam acorrer ao templo de Jerusalém para serem
purificadas, imolando um animal macho. Maria cumpriu também o costume judaico
de ser purificada e de apresentar o Menino no templo e é esse episódio em que
se realça a luz do que é puro que se comemora, do ponto de vista religioso, a 2
de Fevereiro. Por causa desta memória, quer a tradição que, nesse dia, nos
lares, se frite qualquer alimento, sendo as filhós o alimento/gulodice mais
comum. Não sei se o costume se mantem, mas lembro-me, de vez em quando, das
filhós da minha meninice, salpicadas de açúcar e canela.
E, como o que é popular tem
sempre raízes longínquas às quais vai beber, também o tempo atmosférico se liga
a esta ocasião. «Lê-se» o tempo, no seguinte provérbio:
Se Nossa Senhora das Candeias rir (sol, luz), está o inverno para vir;
se Nossa Senhora das Candeias chorar (chuva), está o inverno a passar.
Votos de um ano de muita luz para
os leitores; que cada um mantenha acesa a sua candeia.
Maria
Amélia Timóteo
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.
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