25 junho 2014

VIZINHOS

Cegonhas - um dos progenitores e três juvenis

O Ribatejo, o Alentejo e o baixo Mondego abrigam uma vasta população de cegonhas.
A umas escassas dezenas de metros de minha casa, no cimo de uma torre, há um ninho de cegonhas.

Assisti ao assentamento dos primeiros galhos que rapidamente deram lugar a um largo cesto capaz de acomodar o casal e a descendência.

Passaram já cinco anos sobre esse ato inicial em que, cruzando e entrelaçando pauzitos, se fundou um lar. Dito assim, parece que tudo decorreu de uma forma natural, sem sobressaltos nem incidentes que mereçam ser registados. Acontece que não foram momentos pacíficos, esses, pois, quando o ninho estava, aparentemente, completo, apareceu uma terceira cegonha para nele se instalar.
A luta que se seguiu foi  renhida, com o casal, exaltado, batendo os bicos como claquetes rápidas e ritmadas, emitindo sons guturais e atacando energicamente o (a) intruso(a). Dessa contenda resultou uma vítima. Uma das três aves – não sei qual – partiu uma pata. Voou ainda algum tempo nas proximidades do ninho, com a perna pendente, desarticulada, até se afastar para não mais a avistarmos. Terá morrido, já que, não podendo sustentar-se nas duas patas, era-lhe impossível colher os alimentos.

Nesse ano, o casal que construiu o ninho – ou o novo casal que se formou no rescaldo da briga – criou dois filhotes.
No meio de cada inverno, as obras de restauro do ninho ocupam vários dias e muitas idas e vindas das aves, com materiais presos nos bicos. Durante o choco, e enquanto os filhos são pequeninos, é intenso o trabalho dos pais: a alimentação das crias, as longas horas, de asas distendidas, para as resguardar da chuva e do calor, a limpeza frequente do interior do ninho, a vigilância para afastar os inimigos, enfim, tarefas constantes de pais de família.

Houve um ano em que não criaram. A razão para o «fracasso» foi o humano conforto. No telhado contíguo à torre, foram instalados painéis solares e, por alguns dias, a presença dos operários, tão perto, afastou o casal do ninho, talvez já com ovos para chocar.
Este ano o sucesso foi quase total. Nasceram cinco crias, o que é invulgar na espécie, e quatro delas vingaram. Ultimamente, tem sido muito interessante  assistirmos às aulas de voo. Os juvenis, quase com a envergadura dos adultos, têm-se mantido por casa, à exceção de um, mais maduro ou mais afoito, que já se fez ao mundo. Os outros atentam nos movimentos dos pais e realizam ensaios que consistem em, de asas bem abertas, efectuarem batidas frenéticas, após o que se elevam, na vertical, sobre o ninho, cerca de dois palmos, e se  deixam cair, para recomeçarem tudo de novo.

Esta manhã, olhando por acaso para a residência desta simpática família, assisti, encantada, e pela primeira vez, aos voos iniciais. Um a um, os três irmãos saíram, em voo planado, até ao cimo de um cedro, distante uns nove ou dez metros do ninho. Logo um dos progenitores, que certamente os vigiava, de onde quer que estivesse, se apresentou, voando baixo ao redor da prole, sempre cuidando e, imagino eu, talvez incentivando.
Com  o  desenvolvimento  que apresentam, os juvenis já pouco necessitarão dos pais. Por isso, em breve o ninho estará, por uns meses, desabitado. Depois será restaurado e o ciclo da vida, no ritmo que lhe é próprio, pulsará, outra vez.

Em jeito de autojustificação, termino, afirmando que não é meu costume falar da vizinhança!
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.

14 junho 2014

CAMINHADAS

Serra de Aire e Candeeiros
Há convites que são irrecusáveis.
Convidam-nos para passear, visitar um paraíso natural, e rejeitamos tal convite? Não creio que alguém o faça, a não ser que tenha prazos ou compromissos a cumprir, doença súbita, ou aqueles «motivos e força maior» que podem significar um «não» rotundo que se quer fazer passar por uma recusa polida.
Nesta primavera convidaram-me para uma caminhada na serra de Aire e Candeeiros. Foi uma jornada em cheio, abençoada por uma temperatura amena.
Tratou-se de subir um troço da serra em grupo, um simpático grupo do qual fazia parte o casal amigo que se lembrou de que também eu haveria de gostar do desafio. E não se enganou, é claro, pois enchi os olhos e a alma daquela beleza tranquila e, ao mesmo tempo, majestática, que têm os lugares que a mão do homem toca com cuidados fraternos, para não estragar o que é perfeito.
No sopé, ao redor da última aldeia, o candeio das oliveiras era exuberante; milhares e milhares de flores miudinhas, cor de marfim, quase a ponto de se tornarem frutos. Por todo o lado, flores e mais flores. O tomilho competia, a espaços, com orquídeas autóctones de pouco mais de um palmo de altura. Entre pedras, beneficiando de algum veio de água que não se deixava perceber, as madressilvas encarregavam-se de perfumar o ambiente, juntamente com outras espécies vegetais de que desconheço os nomes científicos ou, sequer, as «alcunhas» populares.
O esforço da subida, que não foi coisa menor, confesso, teve o seu prémio: uma vista ampla, escalonada, com casinhas de presépio anichadas em conchas de terreno, e um horizonte largo, a diluir-se no cinzento da distância. A paisagem é, como costuma dizer-se, de tirar o fôlego, expressão que, verdadeiramente, não posso – não deveria – utilizar aqui, pois, «sem fôlego» era já a minha condição, a «lanterna vermelha» dos caminhantes.
Esperavam-nos, ainda, outras boas surpresas lá no cimo. No alpendre de uma casinha de pedra (moderna) estava montado um tear de alto liço, com diversos materiais disponíveis para quem quisesse aprender a tecer.
A serra de Aire e Candeeiros, predominantemente calcária, esconde  maravilhas no seu seio, grutas que  atraem, no bom tempo, muitos turistas, nacionais e estrangeiros.
Estes caminhantes puderam, também, visitar uma gruta em forma de galeria de dimensões modestas, pequena amostra do muito que os espeleólogos já estudaram. Não tem luzes nem efeitos espectaculares, pelo que está muito preservada, e assim deverá continuar. No seu interior existe um cilindro oco, espécie de poço, que pode descer-se em rapel, uma meia dúzia de metros, ou pouco mais, feitos com toda a segurança, pois os responsáveis, pessoas preparadas, com anos de treino, não descuram nenhum pormenor. Descer em rapel é uma experiência que nunca tinha tido e que me agradou muito, a ponto de considerar que fiquei cliente.
Terminando, lembrarei, agora, o que todos sabemos: quando se realizam esforços físicos é preciso restaurar o corpinho. Por isso, as actividades findaram com um excelente almoço servido na sede de uma associação que tem como missão preservar o património natural e cultural da região.
Pareceu-me gente determinada, que vai em frente na senda que se propõe seguir. É a caminhada destas  mulheres e destes homens. Que não lhes falte o fôlego.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.