Cegonhas - um dos progenitores e três juvenis |
O Ribatejo, o Alentejo
e o baixo Mondego abrigam uma vasta população de cegonhas.
A umas escassas dezenas
de metros de minha casa, no cimo de uma torre, há um ninho de cegonhas.
Assisti ao assentamento
dos primeiros galhos que rapidamente deram lugar a um largo cesto capaz de
acomodar o casal e a descendência.
Passaram já cinco anos
sobre esse ato inicial em que, cruzando e entrelaçando pauzitos, se fundou um
lar. Dito assim, parece que tudo decorreu de uma forma natural, sem
sobressaltos nem incidentes que mereçam ser registados. Acontece que não foram
momentos pacíficos, esses, pois, quando o ninho estava, aparentemente,
completo, apareceu uma terceira cegonha para nele se instalar.
A luta que se seguiu
foi renhida, com o casal, exaltado,
batendo os bicos como claquetes rápidas e ritmadas, emitindo sons guturais e
atacando energicamente o (a) intruso(a). Dessa contenda resultou uma vítima.
Uma das três aves – não sei qual – partiu uma pata. Voou ainda algum tempo nas
proximidades do ninho, com a perna pendente, desarticulada, até se afastar para
não mais a avistarmos. Terá morrido, já que, não podendo sustentar-se nas duas
patas, era-lhe impossível colher os alimentos.
Nesse ano, o casal que
construiu o ninho – ou o novo casal que se formou no rescaldo da briga – criou
dois filhotes.
No meio de cada
inverno, as obras de restauro do ninho ocupam vários dias e muitas idas e
vindas das aves, com materiais presos nos bicos. Durante o choco, e enquanto os
filhos são pequeninos, é intenso o trabalho dos pais: a alimentação das crias,
as longas horas, de asas distendidas, para as resguardar da chuva e do calor, a
limpeza frequente do interior do ninho, a vigilância para afastar os inimigos,
enfim, tarefas constantes de pais de família.
Houve um ano em que não
criaram. A razão para o «fracasso» foi o humano conforto. No telhado contíguo à
torre, foram instalados painéis solares e, por alguns dias, a presença dos
operários, tão perto, afastou o casal do ninho, talvez já com ovos para chocar.
Este ano o sucesso foi
quase total. Nasceram cinco crias, o que é invulgar na espécie, e quatro delas
vingaram. Ultimamente, tem sido muito interessante assistirmos às aulas de voo. Os juvenis,
quase com a envergadura dos adultos, têm-se mantido por casa, à exceção de um, mais
maduro ou mais afoito, que já se fez ao mundo. Os outros atentam nos movimentos
dos pais e realizam ensaios que consistem em, de asas bem abertas, efectuarem
batidas frenéticas, após o que se elevam, na vertical, sobre o ninho, cerca de
dois palmos, e se deixam cair, para
recomeçarem tudo de novo.
Esta manhã, olhando por
acaso para a residência desta simpática família, assisti, encantada, e pela
primeira vez, aos voos iniciais. Um a um, os três irmãos saíram, em voo
planado, até ao cimo de um cedro, distante uns nove ou dez metros do ninho.
Logo um dos progenitores, que certamente os vigiava, de onde quer que
estivesse, se apresentou, voando baixo ao redor da prole, sempre cuidando e,
imagino eu, talvez incentivando.
Com o
desenvolvimento que apresentam,
os juvenis já pouco necessitarão dos pais. Por isso, em breve o ninho estará,
por uns meses, desabitado. Depois será restaurado e o ciclo da vida, no ritmo
que lhe é próprio, pulsará, outra vez.
Em jeito de autojustificação,
termino, afirmando que não é meu costume falar da vizinhança!
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no
jornal da S. C. M. do Cartaxo.
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