Em
meados do século passado, na noite de 24 de Dezembro, havia sapatinhos postos
nas chaminés, infelizmente nem em todos os lares portugueses; talvez, na
maioria, quero crer, embora que de tal prática, tão poética e carinhosa, não possa haver estatísticas.
Qualquer
sapatinho ou bota servia para recolher as prendas que o Menino Jesus deixaria,
como presente de Natal, às crianças que se tinham «portado bem», às que
«mereciam» o desvelo do Menino na noite mágica em que Deus se fez homem.
A
menina, única criança da casa, queria ficar acordada até tarde, adivinhar os
movimentos e os ruídos, surpreender o momento exato em que o Menino deixaria
cair, como chuva silenciosa, os embrulhos que lhe destinara. Fazia birra para
ir para a cama e, já entre lençois, ouvidos alerta, batalhava com o sono,
bravamente, até à derrota final. Às vezes imaginava barulhos e visões e até
chegou a afirmar, com convicção, ter avistado um pezinho rosado do Menino Jesus
a elevar-se, chaminé acima.
Menina
dorminhoca, de seu natural, tornava-se madrugadora no dia de Natal para correr
à cozinha, descalça e mal agasalhada, a abraçar os presentes. A alguns
conhecia-os pelo toque, ainda que disfarçados pelo papel festivo. Meias,
camisolas, luvas, cachecol eram presentes presentes, isto é, costumavam
aparecer, o que não admirava, sendo Inverno. Outros, os primeiros a serem
desembrulhados, eram menos previsíveis: livros, quando as letras não passavam
de uma emaranhada mancha sem nexo, mosquitos parados que só picavam a curiosidade,
bolas de borracha, uma certa carroça de lata puxada por um cavalo cinzento,
servicinhos de chá, de plástico, outros brinquedos, como um marco do correio de
madeira, igualzinho ao que, na vila, alegrava o largo e, muito longe, esbatido
na memória, um coelhinho branco, de olhos vermelhos, de vidro, bom para abraçar
e fazer companhia, bom ouvinte, com as suas orelhas esticadas. Teve o seu fim,
já pardo na cor e rebentado nas costuras, quando a amiga, sabe-se lá por que
urgências, o deixou esquecido no quintal, à tardinha, véspera de uma noite de
muita água.
De
posse dos seus tesouros, ufana, a menina precisava de mostrá-los aos amigos. Os
primeiros a visitar eram os meninos da casa ao lado da sua, com o fito, também,
de saber das novidades que o Menino teria por lá deixado na sua passagem.
Num
desses natais, os meninos, recostados nas suas camas, abertas as prendas,
exibiam, cada um, sua guitarra, instrumentos de pouco mais do que um palmo,
madeira pintada e cordas de arame. Como a música é o ponto alto de todos os
convívios, os rapazitos tocaram e a garota foi cantando uma qualquer canção mal
aprendida na rádio, um concerto tão improvisado quanto, certamente, desafinado
que trouxe, até à porta do quarto, a mãe, banhada de risos.
Nestes
nossos dias, o bondoso São Nicolau, que dá pelo nome de Pai Natal em muitos
países, garrido na sua roupa quente, figurino inventado no pós-guerra, viaja
por todo o mundo, recebe cartas com pedidos que se esforça por satisfazer, com
ou sem sacrifícios. Agora, como então, os corações pequeninos batem mais forte
no Natal, olhos que são estrelas acesas, contando os dias que faltam,
impacientes e esperançosos.
É
Natal! Boas Festas. E, ainda e sempre, os votos: que o Menino Jesus vele pelo
mundo e aqueça com o seu sorriso todos, os meninos, em particular os que não
têm qualquer presente para desembrulhar.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto publicado no
jornal da S. C. M. do Cartaxo.