25 dezembro 2014

NATAL PEQUENINO

Em meados do século passado, na noite de 24 de Dezembro, havia sapatinhos postos nas chaminés, infelizmente nem em todos os lares portugueses; talvez, na maioria, quero crer, embora que de tal prática, tão poética e carinhosa,  não possa haver estatísticas.

Qualquer sapatinho ou bota servia para recolher as prendas que o Menino Jesus deixaria, como presente de Natal, às crianças que se tinham «portado bem», às que «mereciam» o desvelo do Menino na noite mágica em que Deus se fez homem.

A menina, única criança da casa, queria ficar acordada até tarde, adivinhar os movimentos e os ruídos, surpreender o momento exato em que o Menino deixaria cair, como chuva silenciosa, os embrulhos que lhe destinara. Fazia birra para ir para a cama e, já entre lençois, ouvidos alerta, batalhava com o sono, bravamente, até à derrota final. Às vezes imaginava barulhos e visões e até chegou a afirmar, com convicção, ter avistado um pezinho rosado do Menino Jesus a elevar-se, chaminé acima.

Menina dorminhoca, de seu natural, tornava-se madrugadora no dia de Natal para correr à cozinha, descalça e mal agasalhada, a abraçar os presentes. A alguns conhecia-os pelo toque, ainda que disfarçados pelo papel festivo. Meias, camisolas, luvas, cachecol eram presentes presentes, isto é, costumavam aparecer, o que não admirava, sendo Inverno. Outros, os primeiros a serem desembrulhados, eram menos previsíveis: livros, quando as letras não passavam de uma emaranhada mancha sem nexo, mosquitos parados que só picavam a curiosidade, bolas de borracha, uma certa carroça de lata puxada por um cavalo cinzento, servicinhos de chá, de plástico, outros brinquedos, como um marco do correio de madeira, igualzinho ao que, na vila, alegrava o largo e, muito longe, esbatido na memória, um coelhinho branco, de olhos vermelhos, de vidro, bom para abraçar e fazer companhia, bom ouvinte, com as suas orelhas esticadas. Teve o seu fim, já pardo na cor e rebentado nas costuras, quando a amiga, sabe-se lá por que urgências, o deixou esquecido no quintal, à tardinha, véspera de uma noite de muita água.

De posse dos seus tesouros, ufana, a menina precisava de mostrá-los aos amigos. Os primeiros a visitar eram os meninos da casa ao lado da sua, com o fito, também, de saber das novidades que o Menino teria por lá deixado na sua passagem.

Num desses natais, os meninos, recostados nas suas camas, abertas as prendas, exibiam, cada um, sua guitarra, instrumentos de pouco mais do que um palmo, madeira pintada e cordas de arame. Como a música é o ponto alto de todos os convívios, os rapazitos tocaram e a garota foi cantando uma qualquer canção mal aprendida na rádio, um concerto tão improvisado quanto, certamente, desafinado que trouxe, até à porta do quarto, a mãe, banhada de risos.

Nestes nossos dias, o bondoso São Nicolau, que dá pelo nome de Pai Natal em muitos países, garrido na sua roupa quente, figurino inventado no pós-guerra, viaja por todo o mundo, recebe cartas com pedidos que se esforça por satisfazer, com ou sem sacrifícios. Agora, como então, os corações pequeninos batem mais forte no Natal, olhos que são estrelas acesas, contando os dias que faltam, impacientes e esperançosos.

É Natal! Boas Festas. E, ainda e sempre, os votos: que o Menino Jesus vele pelo mundo e aqueça com o seu sorriso todos, os meninos, em particular os que não têm qualquer presente para desembrulhar.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da  S. C. M. do Cartaxo.

1 comentário :

  1. Foi um Grande e inesquecível Natal . Rua de Campolíde em casa da Dª Emília .Tu não estavas lá , mas tens memória de elefante ...
    O resto da história é ficção (?)
    Obrigado por me teres incluído desta forma neste Natal .
    Recebe o Novo Ano de braços abertos para neles envolveres todos os que te amam .
    c de v

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