17 junho 2015

MAIO, MADURO MAIO...

Assim começa uma das baladas que José Afonso cantou e que continuamos a ouvir, sempre com a emoção que produz uma bela música à qual se junta a poesia, tão acertadas uma com a outra que parece terem nascido de um mesmo fôlego de inspiração.

Maio é o mês de transição entre o frio e o calor, o inverno e o verão, o ponto médio entre a dormência da natureza e a sua revitalização. Chamamos-lhe «o mês das flores»; a Igreja Católica dedica-o à Virgem Maria. Quando referimos «o mês de Maria», é de maio  que falamos, associando a delicadeza das flores à figura da Senhora que, em Fátima, se manifestou, pela primeira vez, em maio, aos pastorinhos.

Por detrás destas conhecidas e atuais denominações, existe um fundo muito antigo que remonta às crenças e cultos dos povos que nos antecederam, povos cujos conhecimentos não eram científicos, demonstrados por experiências exatas e sistemáticas, mas colhidos pela observação dos fenómenos naturais, como o crescimento de animais e plantas e o movimento dos astros. Assim se foi estabelecendo um sistema de crenças, práticas religiosas e atividades de subsistência que regulava a vida social de cada tribo e que tinha como suporte um sincretismo que não era questionável.

Como é próprio do ser humano, os momentos de festa, tão necessários ao corpo e ao espírito, ocorriam no tempo determinado, interrompendo o labor do dia a dia. Não existia o conceito de férias mas eram frequentes as festas de caráter sagrado, obrigatórias para toda a comunidade.

A mãe do deus Mercúrio, Maia, era cultuada na Roma antiga. O seu nome foi atribuído ao quinto mês do calendário juliano e as festividades, no 1º e 15º dia do mês, atingiam o seu ponto máximo. No primeiro dia, as portas das casas eram enfeitadas com flores, assinalando o bom tempo e, também, o mito segundo o qual a deusa enfeitava o filho, enquanto bebé, com flores amarelas.

Os celtas também realizavam, em maio, uma festa de índole mágico-religiosa visando a fertilidade, em honra do deus Beltane ou Beleno, nome que significa «o fogo sagrado». Esta festa ocorria na primeira noite de lua cheia de maio.  O lume de todas as casas da aldeia era apagado, após o que, no cimo de um monte, se acendia uma fogueira a partir da qual se iam acendendo fogueiras menores. Destas, eram retirados os tições, de modo que o lume pudesse, de novo, brilhar em cada lar, um novo lume, início de um novo tempo. Ao redor das fogueiras, o povo dançava, cantava e comia até raiar a aurora.

Em Portugal subsiste, ainda, o costume de enfeitar portas e janelas com ramos de giesta, um arbusto de flores amarelas a que, no norte, chamam «maias». Consideradas pagãs, estas decorações e festas foram proibidas, pelo menos até ao século XV. Mas a tradição era mais forte e, na prática, nunca foram abandonadas. Em Trás-os-Montes, na festa das maias, comem-se castanhas já secas ou piladas. Nalgumas aldeias, as jovens enfeitavam de flores um menino – o Maio-Moço – e mostravam-no, de rua em rua, cantando e dançando. No sul do país, havia o costume de as meninas se vestirem de branco, adornadas de flores e de se sentarem às portas, ou num largo, enquanto as amigas pediam uma moeda a quem passava. No Algarve, na zona de Lagos, ainda se fazem bonecas a que chamam maias, um artesanato urbano moderno, com raízes no tempo em que se faziam bonecas com palha de centeio, coroadas de flores.

Tanto quanto julgo saber, no Ribatejo não há vestígios da tradição das maias. Lembro-me, porém, quando era criança, que, na manhã do 1º de maio, deveríamos sair cedo da cama para que «o maio» - personificado como coisa nefasta, a modos de um «mau-olhado» - não viesse atrasar-nos a vida.

Madrugar não era fácil para mim, que sempre preferi seroar. Em todo o caso, esses maios de manhãs bem dormidas, sem alvoradas por via de costumes ancestrais que desconhecia, parecem-me ter sido inofensivos. Ou será que tenho andado enganada este tempo todo?


Maria Amélia de Vasconcelos 
Texto publicado no jornal da  S. C. M. do Cartaxo.

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