Jaíra foi a primeira a afastar a cadeira da mesa, perguntando
se estava ocupada.
Estava livre. Sentou-se, então, com um suspiro de cansaço e
alívio, como quem alija um carrego. Na
sua frente sentou-se a amiga, cumprimentando-nos com um sorriso e uma
inclinação de cabeça.
O nosso almoço aproximava-se do fim, faltando só a sobremesa.
Em menos de um «ai», as duas mesas tornaram-se numa só, uma «mesa redonda» de
conversa, mais de meia hora, de conversa espontânea. As recém-chegadas tinham
desembarcado em Portugal, vindas do Brasil, estado de São Paulo. De dois em
dois anos, estas amigas saem do seu país natal e visitam o velho continente,
conjuntamente com um grupo que, em geral, se compõe dos mesmos elementos, sempre
a cargo da mesma agência de viagens. Desta vez o destino era a Hungria. Em
Lisboa faziam escala e dispunham, apenas, de umas quantas horas, poucas, de
modo que não iriam alargar muito o escasso conhecimento que tinham da cidade.
Sobre o nosso país tinham algumas informações, sobretudo do
momento sócio-político e económico. Interessadas na sustentabilidade do
Planeta, aflorámos esse tema, entre muitos outros. Por elas ficámos a saber que
São Paulo tem problemas com a água potável já que os aquíferos, embora ricos,
se encontram poluídos. A ganância, que grassa por todo o lado, permitiu que a
grande metrópole se estendesse em construções que chegam às encostas de onde
escorrem cursos de água. Em consequência, nas caves desses prédios abusivamente
implantados onde não deveria existir construção, foram instaladas bombas que,
dia e noite, escoam, rua abaixo, as águas que nelas se depositam, sem proveito
para ninguém, o puro desperdício de um bem que deveria ser usufruído por todos.
Quanto ao saneamento básico, as zonas rurais envolventes desconhecem o
conceito. Os mais esclarecidos constroem, nos seus quintais, fossas ecológicas
cujo material orgânico é, posteriormente, aproveitado no enriquecimento dos
solos agrícolas. Espantou-as, a informação de que, em Portugal, mais de 90% do
território habitado dispõe de infra-estruturas modernas e eficazes.
Saltitando de tema em tema, soubemos que eram, ambas,
professoras aposentadas do sistema público. Curiosamente, não tendo laços
familiares, estas duas senhoras descendem de holandeses. Uma delas, de feições
marcadamente orientais, tem as suas raízes mais próximas no Japão. O nome de
família é Okajima, apelido comum naquele país. Esta palavra sugere-me um fruto, tem forma de fruto, não sei porque
razão, colorido, sumarento e aromático. Rimos os quatro quando eu partilhei
esta ideia, tirada de coisa nenhuma, assente apenas nos sons da palavra, tão
ritmados e melódicos que lhes associei os sentidos e lhes dei um corpo.
Quem sabe? Existindo tantos frutos exóticos que desconheço,
talvez ainda, um dia, possa saborear uma okajima. Bem madura, que não gosto de
fruta verde.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto
publicado no jornal da S. C. M. do
Cartaxo
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