Eram cerca de vinte pessoas, a maioria do sexo feminino, que
cumpriam uma jornada de formação. Não tendo eu visto qualquer identificação,
atrevo-me a afirmar que a média de idades ultrapassava os quarenta anos.
Encontrei-os divididos em pequenos grupos discutindo objetivos e estratégias,
tomando notas e construindo documentos para apresentar ao formador. Este
reconhecia-se ao primeiro olhar: fato completo, gravata, ar sério e passos
medidos por entre as mesas, olhando de alto. Se dúvidas me assaltassem elas
dissipar-se-iam quando o senhor avisou o grupo de que os trabalhos iriam
recomeçar.
A revoada deixou os lugares à mesa e, pouco a pouco, foi
entrando numa sala. Chegava ao fim o «break» que não fora, afinal, de descanso
mas, apenas, um filão estreito e, talvez, mais claro entre a massa pesada e
argilosa que havia para moldar: as competências, signifique o termo o que
significar. Soltaram-se, então mais alto, algumas palavras, tais como,
responsabilização, colaborador, empresa...
Deste quadro concluí que, enquanto eu descansava e
contemplava lonjuras, o verão se tinha escapulido entre os meus dedos, mesmo
que o calendário não o confirmasse. É que, ali ao meu lado, trabalhava-se,
talvez sem entusiasmo, presumo eu. Setembro não tinha chegado a meio, ainda não
se dourava a natureza e o desencanto daqueles formandos era já patente.
Gostaria de acreditar que estas pessoas se enquadravam numa
qualquer empresa estável, que, no final do mês receberiam um salário digno para
fazerem face às despesas, que, enfim, tinham um emprego e estavam a atualizar
conhecimentos, de modo a melhorarem a sua prestação profissional.
As grandes e médias empresas proporcionam aos seus
colaboradores esses momentos de aperfeiçoamento, com proveitos notórios nas
competências individuais e na rentabilidade e eficácia do trabalho.
Este grupo, no entanto, não parecia ter a coesão de quem se
conhece e se empenha na direção de uma finalidade comum. Ao vê-lo, assim,
compósito, recuei vinte e tal anos e lembrei-me do tempo em que, quem não
arranjava emprego e tinha algumas qualificações escolares, ajeitava a vida
vendendo enciclopédias de porta em porta. Eram jovens e tratava-se de uma
ocupação temporária, semelhante à dos que, hoje, nos propõem que nos
fidelizemos a pacotes de telefone-televisão-internet.
As pessoas que observei não eram, propriamente, jovens. Cada
uma delas já terá, por certo, experiência profissional numa qualquer área.
Estavam em formação, mais uma formação, por certo, na tentativa de alcançar um
posto de trabalho.
Se não olharmos, apenas, ao aspeto prático e objetivo deste
«estar em formação», todos nós, seres humanos, estamos em formação enquanto o
espírito estiver desperto, pois há, sempre, algo para aprender ou para cimentar
mais profundamente. «Estar em formação» igual a estar desempregado é uma
realidade dos nossos dias, triste realidade que é impossível ignorar, tantas
são as famílias que vivem sob condição, a prazo, à espera que uma formação lhes
abra as portas para um trabalho compensador.
Seria bom que amanhã fosse o dia em que o número do
desemprego se reduzisse a um dígito percentual. Baixinho, acrescento ainda.
O trabalho é parte
integrante do conceito de pessoa, confere direitos e deveres, firma a
auto-estima. É ele que aglutina as sociedades e as faz prosperar.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto
publicado no jornal da S. C. M. do
Cartaxo
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