Com lenços de «cache-nez» e
chapéus de palha, como adereços, pandeiretas, tambores, ferrinhos e maracas,
como acompanhamento, cantámos «As Janeiras» nos primeiros dias do ano. Os votos
de Bom Ano ficaram, assim formulados e, agora, por este meio, os reitero: que
2016 seja «melhor ano», como nos diz a cantiga, com paz, saúde e prosperidade.
Os anos são bons ou são maus
dependendo do que a cada um acontece no desfiar dos dias. No fim, feito o
balanço, o ano terá tido sinal de mais ou de menos, no plano individual. Quanto
ao plano global que é o mundo alargado onde todos nos movemos, 2015 viu muitas
desgraças, as naturais e aquelas que os humanos engendram: guerras, atentados,
opressão, ameaças, barbárie, déficit de respeito, um pouco por todo o lado.
Ainda que, individualmente, o ano tenha sido positivo, ficou-nos o amargo das
notícias que nos foram chegando e nos molestaram os sentimentos.
De outras notícias, porém,
escolhi, hoje, falar. Boas? Más? Antigas, isso sim. O leitor julgará como
entender, sabendo que a história que vou contar é da História e, portanto, não
pode ser retocada ao sabor da imaginação. Aconteceu como segue:
Em 1628 reinava em Portugal
Filipe III, Filipe IV de Espanha, que reunia, em si, as duas coroas ibéricas. A
vida corria bem apenas a um restrito grupo de pessoas, as que detinham cargos
importantes no governo ou no exército. Portugal estava sobrecarregado de
impostos, necessários para que a Espanha pudesse manter, ao mesmo tempo e com
elevados custos, várias frentes de guerra. Para fazer face aos gastos, o
governo era imaginativo a criar taxas e impostos, na mira de ir buscar dinheiro
mesmo onde ele não existia. Foi, então, que lançou um imposto sobre as
maçarocas, não as espigas de milho, mas as têxteis. Explicando melhor: dá-se o
nome de maçaroca ao fio de lã ou de linho que se forma no fuso antes de se
enrolar o novelo. Quem realizava esse trabalho eram as mulheres mais pobres, as
quais, findas as fainas domésticas e agrícolas, tiravam tempo ao seu descanso
para conseguirem, desta forma, mais umas moeditas.
De Madrid veio, então, ao Porto, o conselheiro de estado
Francisco de Lucena com indicação de que o Senado da Câmara tinha de lançar o
referido imposto. O Senado acatou a ordem e começava a debater qual a melhor
forma de o cobrar quando, na ribeira, se soube da presença do conselheiro e dos
motivos da sua viagem. Em pouco tempo juntou-se uma multidão de mulheres
exaltadas, tendo aderido, também, os homens do mar, pescadores e marinheiros,
além de outro povo miúdo que ia tendo conhecimento das razões do alvoroço.
Houve gritaria, choveram as injúrias contra o governo e o Senado, e choveram,
igualmente, pedradas contra o conselheiro que foi encontrado no terreiro do
convento de São Domingos, local onde se refugiou depois. Voltaram-se os
arremessos contra o edifício atá que um frade, mais ousado, se dirigiu à
multidão dizendo que Lucena saltara a cerca que dividia aquele convento do de
São Francisco, daí apanhara o barco e já estava em Gaia, do outro lado do rio.
Com esta artimanha a multidão dispersou mas o conselheiro não ganhou para o
susto.
Voltando a Madrid, Lucena relatou
os acontecimentos cujas consequências seriam graves para os portuenses, não
fossem as diligências do bispo do Porto que obteve do rei o perdão para os
amotinados. Terminou, assim, a «Revolta das Maçarocas» sem punições, exceto o
imposto que não terá deixado de ser cobrado, por pequeno que tenha sido o
montante que dele adveio.
1628 foi ano bom? Foi ano mau?
Para as gentes do Porto ficou na memória por ter sido muito complicado, a
julgar pela que acima se conta. E 2016, como será? Porque é ainda muito menino,
concentremos nele toda a esperança, aquela esperança que pomos nas coisas novas
que empreendemos.
Viva o Novo Ano!
Maria Amélia de
Vasconcelos Timóteo
Janeiro de 2016
Texto
publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.
Janeiro de 2016
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