19 janeiro 2016

UM FRUTO - VÁRIOS SÍMBOLOS

Quando pensamos no outono, ocorre-nos, em primeiro lugar, a beleza das cores com que a natureza nos brinda. Muito do verde que, tenro e novo, rebentou na primavera e nos ajudou a refrescar o verão, mostra-se, no outono, numa paleta de cores quentes: amarelo, laranja, vermelho, rosado, castanho, conforme as espécies. Um regalo para o olhar! Associamos esta beleza à folhagem e quase nos esquecemos dos frutos da época, cada um mais saboroso do que o outro, sendo que, os de casca rija, podem deliciar-nos por muito tempo. Um dos que acho mais bonitos é a romã, de casca rija e interior líquido, dentinhos de sol que se mostram, brilhando, quando, não podendo já conter-se no interior, espreitam por frestas, num sorriso, nos ramos pesados.

Alguns pintores de temas religiosos incluíram romãs nos quadros que representam o nascimento de Maria e o nascimento de Jesus. Fruto múltiplo, como a pinha, por exemplo, a forma esférica da romã simboliza a orbe terrestre e celeste e, também, o útero; os seus bagos, juntos, são a imagem da coesão que gera a força; a sua cor retrata as vestes de reis e sacerdotes e, igualmente, o sangue vivificador. A escultura também utiliza a romã em baixos-relevos e para coroar colunas, pilares e balaústres.

Na tradição cristã, comem-se romãs no Dia de Reis, realce  da «coroa» do fruto no dia em que se evoca gente coroada. Seriam sábios vindos de longe esses adoradores do Deus-Menino; reis talvez não fossem. No entanto, a tradição assim os refere e, como tal, os aceitamos. Também é uso comer-se romã no Ano Novo, tal como na tradição judaica, e há quem o faça com uma moeda na mão, no intuito de que ela se multiplique por muitas outras.

Para os judeus, a romã é símbolo de fertilidade e de abundância. Durante a travessia do deserto, o povo de Deus, vindo do Egito, conduzido por Moisés, ansiava chegar à «terra prometida», rica de trigo, cevada, vinhas, figueiras e romãzeiras... Assim é referido no Antigo Testamento.

A romãzeira é uma planta comum nos países mediterrânicos, mas é originária da Ásia, mais exatamente da Pérsia e países vizinhos. Os gregos associavam o fruto à fecundidade, à ordem e ao amor. Urdidores de tantos mitos, deve-se aos gregos o registo do primeiro concurso de beleza. Páris, um jovem príncipe criado por pastores, foi encarregado, pelo deus Hermes, de escolher a mais bela de entre três deusas, sendo que o prémio seria um «pomo de ouro», talvez uma maçã mas, mais provavelmente, uma romã, o fruto do Sol, o seu ouro.Páris escolheu a deusa do Amor, depois de peripécias que não vêm ao caso. Posso, contudo, acrescentar que essa escolha teve más consequências pois levou à longa guerra de Tróia, também ela mítica.

Tenho no quintal uma romãzeira anã que dá uns frutinhos do tamanho de amoras; no resto, iguais aos frutos comestíveis. No final da última primavera, cobriu-se de flores que foram caindo sem que, talvez devido à secura do verão, se visse qualquer fruto vingado. Há alguns dias, porém, ao cortar umas pontas secas do arbustinho, encontrei um pequeníssimo fruto que me pareceu diferente dos habituais. E assim é: o pezinho não se encontra na posição oposta à «coroa», como se fosse o prolongamento de um eixo, mas sai da parte rotunda do fruto. Nunca vi nada igual. É, pois, um presente único do outono, sempre generoso. E «calhou-me», a mim, este prodígio! Como não sentir-me grata?
    
Maria Amélia de Vasconcelos
Novembro de 2015
Texto publicado no jornal da  S. C. M. do Cartaxo.

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