Quando pensamos no outono,
ocorre-nos, em primeiro lugar, a beleza das cores com que a natureza nos
brinda. Muito do verde que, tenro e novo, rebentou na primavera e nos ajudou a
refrescar o verão, mostra-se, no outono, numa paleta de cores quentes: amarelo,
laranja, vermelho, rosado, castanho, conforme as espécies. Um regalo para o
olhar! Associamos esta beleza à folhagem e quase nos esquecemos dos frutos da
época, cada um mais saboroso do que o outro, sendo que, os de casca rija, podem
deliciar-nos por muito tempo. Um dos que acho mais bonitos é a romã, de casca
rija e interior líquido, dentinhos de sol que se mostram, brilhando, quando,
não podendo já conter-se no interior, espreitam por frestas, num sorriso, nos
ramos pesados.
Alguns pintores de temas religiosos
incluíram romãs nos quadros que representam o nascimento de Maria e o
nascimento de Jesus. Fruto múltiplo, como a pinha, por exemplo, a forma
esférica da romã simboliza a orbe terrestre e celeste e, também, o útero; os
seus bagos, juntos, são a imagem da coesão que gera a força; a sua cor retrata
as vestes de reis e sacerdotes e, igualmente, o sangue vivificador. A escultura
também utiliza a romã em baixos-relevos e para coroar colunas, pilares e
balaústres.
Na tradição cristã, comem-se
romãs no Dia de Reis, realce da «coroa»
do fruto no dia em que se evoca gente coroada. Seriam sábios vindos de longe
esses adoradores do Deus-Menino; reis talvez não fossem. No entanto, a tradição
assim os refere e, como tal, os aceitamos. Também é uso comer-se romã no Ano
Novo, tal como na tradição judaica, e há quem o faça com uma moeda na mão, no
intuito de que ela se multiplique por muitas outras.
Para os judeus, a romã é símbolo
de fertilidade e de abundância. Durante a travessia do deserto, o povo de Deus,
vindo do Egito, conduzido por Moisés, ansiava chegar à «terra prometida», rica
de trigo, cevada, vinhas, figueiras e romãzeiras... Assim é referido no Antigo
Testamento.
A romãzeira é uma planta comum
nos países mediterrânicos, mas é originária da Ásia, mais exatamente da Pérsia
e países vizinhos. Os gregos associavam o fruto à fecundidade, à ordem e ao
amor. Urdidores de tantos mitos, deve-se aos gregos o registo do primeiro
concurso de beleza. Páris, um jovem príncipe criado por pastores, foi
encarregado, pelo deus Hermes, de escolher a mais bela de entre três deusas,
sendo que o prémio seria um «pomo de ouro», talvez uma maçã mas, mais
provavelmente, uma romã, o fruto do Sol, o seu ouro.Páris escolheu a deusa do
Amor, depois de peripécias que não vêm ao caso. Posso, contudo, acrescentar que
essa escolha teve más consequências pois levou à longa guerra de Tróia, também
ela mítica.
Tenho no quintal uma romãzeira
anã que dá uns frutinhos do tamanho de amoras; no resto, iguais aos frutos
comestíveis. No final da última primavera, cobriu-se de flores que foram caindo
sem que, talvez devido à secura do verão, se visse qualquer fruto vingado. Há
alguns dias, porém, ao cortar umas pontas secas do arbustinho, encontrei um
pequeníssimo fruto que me pareceu diferente dos habituais. E assim é: o pezinho
não se encontra na posição oposta à «coroa», como se fosse o prolongamento de
um eixo, mas sai da parte rotunda do fruto. Nunca vi nada igual. É, pois, um
presente único do outono, sempre generoso. E «calhou-me», a mim, este prodígio!
Como não sentir-me grata?
Maria Amélia de
Vasconcelos
Novembro de 2015
Texto
publicado no jornal da S. C. M. do
Cartaxo.
Novembro de 2015
Sem comentários :
Enviar um comentário