Maria da Luz, ou só Luz, para os colegas, na pressa dos contactos de trabalho, ou Luzinha, como a chamavam a avó e a tia Alice quando dela falavam a amigos ou a conhecidos de maior proximidade…
Nascida em terra de granito e ventos rijos, na casa de família aprendeu bons costumes e bom trato. Alegre e confiante, por natureza, foi encontrando sorrisos e a eles foi correspondendo.
O casamento, tão bem augurado, levou-a para a cidade grande. Em pouco tempo, porém, a relação foi resvalando, de socalco em socalco, para um pântano sem remédio. O primeiro inimigo que ela reconheceu foi o álcool e o seu cortejo de infâmias: vexames públicos, humilhações privadas, palavras que feriam, agressões físicas. Não era, contudo, o álcool o único inimigo. O jogo era a outra face da mesma moeda pela qual a sua juventude fora trocada. Jogo e álcool, ou a inversa, embaciavam, dia a dia, o brilho dos seus olhos.
Depois do nascimento do segundo filho, Maria da Luz começou a confeccionar em casa bolinhos e salgados que vendia às amigas. Valendo-se de velhos conhecimentos dos pais, conseguiu um primeiro emprego, de modesta remuneração, mas que veio acrescentar sustento aos filhos.
Quando algum tempo depois o marido, fugindo ao pagamento de dívidas, abandonou a casa, ela já progredira na empresa. Dessa época, diria mais tarde, entre irónica e séria: "Quando o meu marido me fez o favor de se ir embora…"
Na adolescência dos filhos, acompanhou-os nos estudos e ganhou, ela própria, vontade de voltar a estudar. O bando de amigos dos miúdos abriu-lhe um lugar, de igual para igual, no seu seio. Aqueles com quem mais de perto privava tratavam-na por Luzinha e acendiam, sem o saberem, as velas da memória da infância e um sorriso mais amplo na sua face.
Pouco antes do falecimento da tia Alice, em seu juízo até ao fim, ficou a saber, pela sua boca, que o nome de baptismo fora escolhido pela tia. "Sabes, Luzinha? Quando os teus olhitos se abriram pela primeira vez, vi neles a transparência de um lago atravessado pela claridade da lua, assim…como que o encontro entre o que é profundo e o que é iluminado…Como dizer? Nos teus olhos encontrei lucidez…"
Luz, Luzinha, lucidez…
Para "lucidez", os dicionários não apresentam, como sinónimo, "profundidade". Mas, como encontrar a lucidez, se não descermos ao mais fundo das coisas e não esperarmos que os seus contornos se desenhem na luz?
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal interno da S.C.da M.do Cartaxo.
Texto publicado no jornal interno da S.C.da M.do Cartaxo.
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