Macieira em flor |
O pomar não era extenso. Umas três dúzias de árvores ainda novas, todas do mesmo porte, alinhadas num terreno de leve inclinação, vistas da colina formavam um tapete, tapete branco-rosa de borbotos sedosos que deixavam à mostra uns apontamentos de verde indeciso, tímido como quem entra em cena sem ter o papel bem decorado.
Eram macieiras no esplendor da floração. Lá virá o tempo dos frutos, diremos nós, antecipando o perfume e o sabor de uma maçã.
Nos nossos dias, porém, o tempo das maçãs – e de todos os outros frutos cultivados pelo homem – é todos os dias, para nosso deleite. As estufas, os tratamentos químicos, os frigoríficos, o transporte de longas distâncias, faz com que possamos dispor, em todas as estações do ano, dos frutos que desejamos ou que a bolsa nos permite adquirir. São atractivos, brilhantes, sem mácula, e desafiam-nos nos escaparates dos supermercados, seguros de que não lhes encontraremos defeito. Ah, a não ser, é claro, o perfume, de todo perdido, e o sabor, bem menos intenso depois das andanças a que os sujeitaram.
Haverá uns trinta anos, um fazendeiro ofereceu-me uma maçã-de-espelho, enorme, achatada nos pólos como as da sua espécie, as bochechas rosadas de quem vende saúde. O perfume de uma maçã-de-espelho não tem igual.
Coloquei-a sozinha num prato, a fazer-nos a mais perfeita companhia: beleza, aroma e aquelas bochechas sorridentes que, fosse mais sagaz o nosso olhar, haveriam de partilhar connosco alguma peripécia divertida.
Tenho a vaga memória de que é um pouco ácida a maçã-de-espelho…
Alguém se lembra, ainda, desse sabor?
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal interno da S.C.da M.do Cartaxo.
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