17 junho 2012

ENCOMENDA

Alguns livros de leitura usados nas escolas primárias portuguesas nos anos 40 e 50 do século passado apresentavam excertos selecionados de obras de vultos importantes da nossa literatura, acessíveis à compreensão de crianças de dez, onze anos. A boa literatura era - e é - entendida como um bom alimento para os espíritos que se estavam a formar e que, na maioria dos casos, não prosseguiriam estudos para além da 4ª classe, ou exame do 2º grau, como também se dizia.
Um desses textos, muito repetido em vários manuais, era «A Encomendinha», retirado de um livro de contos do escritor Trindade Coelho (1861-1908). Tratava-se do relato gracioso da chegada à escola, para o primeiro dia de aulas, de um menino da província. Vinha pela mão da criada que, com «os cumprimentos lá de casa», entregava ao professor aquela «encomenda», isto é, o novo aluno que, muito intimidado, nem imaginava ao que ia.

A propósito de encomendas, das menos comuns, naturalmente, de quando em vez recordo-me deste texto e dos sentidos que, à palavra, podem ser emprestados. Também eu recebi, há umas semanas, uma encomenda, por assim dizer, impensável: escrever umas quadras alusivas aos Santos Populares para serem colocadas nos cravos de papel que enfeitam os manjericos.
Resisti intimamente, sabendo, porém, que, de qualquer modo, não poderia recusar o que me era solicitado. Andei com o assunto enrolado, deixando-o arrastar até ao limite dos limites, entre ganas de que surgisse um bom motivo para desmanchar o (quase) acordo, e a necessidade de ter de honrar o pedido de quem achou que eu levaria a bom termo tal tarefa.
Num fim de tarde, sem grande inspiração, lá me decidi a iniciar a escrita a qual se saldou – como os ovos que compramos! – numa dúzia de quadras dentro do espírito da tradição. Umas nasceram num impulso, outras foram mais pensadas, como sempre acontece com aquilo que fazemos, qualquer que seja a atividade. No que toca aos temas, há as de iniciar namoricos, as de desdém pelo (a) pretendente, passando, é claro, pelas de louvor aos santinhos.
Como estamos em Junho, o tempo das fogueiras com que se celebram popularmente Santo António, São João e São Pedro, deixo aos leitores três dessas quadras, nascidas de uma encomenda e escritas no prazo exigido.

São três santos de devoção
Neste Junho de alegria
Santo António, São João
São Pedro acaba a folia.

Só me falas de mansinho
Quando não queres que te abeire.
Segue lá o teu caminho
Tu não és flor que se cheire.

Se santo António te visse
P’los olhos do meu olhar
Já não seria santinho
Nem estaria no altar.

Votos de boa diversão nos arraiais, com sardinha assada, ou outros petiscos que sejam do vosso gosto.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo

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