Ensinaram-nos na escola que as
palavras começadas por «al» derivam do árabe. É o caso da palavra que escolhi
para título deste escrito.
A língua portuguesa formada, na
sua maior parte, com base no latim, recebeu – e continua a receber – muitos contributos
de outras línguas com as quais esteve, e está, em contacto. Esse aumento
vocabular faz com que o português seja uma língua muito rica e diversificada,
com variantes locais para uma mesma palavra ou, até, palavras diferentes para
designar um mesmo objecto, dependendo da proveniência dos falantes.
Logo a seguir ao latim em termos
de importância no nosso falar, vem o árabe, sem tirar, é claro, o valor e o
lugar ao grego que nos legou, entre outros, os termos usados, sobretudo, nas
ciências.
Mas são as palavras árabes que hoje irão
«rolar». Para começo, apresenta-se uma muito distante da tal regra que
aprendemos, pois até nem começa por «al».
Trata-se de «divã», aquela cama
estreita, encostada à parede, antepassada do sofá-cama.
Em árabe, «divã» significava na
Turquia e na Península Ibérica, o conselho de ministros do sultão, passando,
depois, a designar a sala onde esse conselho se reunia. Como se chegou ao
significado actual? Sobre esse caminho não tenho certezas. São, assim, as
palavras: vivas, buliçosas, irrequietas. Elas renovam-se, mascaram-se,
reinventam-se. Vivem novas vidas, conforme se mudam os tempos.
Alvanel, que também era dito
«avenel, alvaner, alvanir e alvaréu» não se adaptou a modas e, simplesmente,
desapareceu do nosso convívio pelo que é, no geral, ignorada. Quem não aparece,
esquece, verdade? No Alentejo sobreviveu até finais do século XIX, conforme se
pode comprovar pelos registos paroquiais. No resto do país já não se usava
desde o século XVII, sendo substituído por pedreiro. Um alvanel é, afinal, um
pedreiro.
O nome antigo vem do árabe e
significa «aquele que constrói». A palavra deixou um leve traço da sua presença
em «alvenaria» que se usa (pouco, é certo) quando se trata de uma construção
robusta, de paredes grossas, feitas de pedras ligadas com uma argamassa (cal,
areia e água). Daí a expressão popular «estar de pedra e cal», significando ser
resistente, não oscilar, perdurar no tempo e no espaço.
O alvanel exerceu o seu ofício
antes da tecnologia ter avançado com o cimento, as armações de ferro e as
cofragens que são métodos construtivos dos nossos dias. Foi ele o construtor de
igrejas e catedrais, palácios, pontes, aquedutos, moinhos…; deixou obras que
ainda estão patentes aos nossos olhos.
Ao seu lado trabalhavam outros
profissionais com o mesmo material: a pedra.
Eram eles os mestres da pedra
talhada, os que a cortavam em blocos regulares e que também preparavam as
molduras de portas, janelas e rosáceas; e os escultores, chamados «mestres de
pedraria». Era do seu encargo esculpir os motivos simbólicos e decorativos que
admiramos nas construções mais elaboradas.
Nesta grande empresa de erigir
maravilhas de técnica e arte, os homens que, conforme a sua especialização, trabalhavam
a pedra, eram apoiados por outros profissionais que executavam um trabalho
quase escondido, porém indispensável: os carpinteiros. Todos já vimos a armação
de um telhado, em madeira. São traves, barrotes, pendurais, formando uma teia
segura e bela.
Transpondo estas obras mais
comuns para os pináculos das mais altas catedrais, lembrarei que eles se
mantêm, desde há séculos, sustentados por complicadas armações de madeira,
restauradas quando necessário. Sem estas armações permanentes não veríamos
campanários e agulhas apontando os céus, desafiadoramente.
Pedreiros e carpinteiros, desde o
tempo das confrarias de ofícios, têm um patrono comum: São José. Nas procissões
religiosas, o lugar que ocupavam estes profissionais era destacado, como
reconhecimento do valor do seu trabalho.
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.
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