06 março 2015

MOIRAS

Na Grécia antiga, em séculos muito anteriores à época clássica, a mitologia explicava o curso da vida humana, e também da vida dos deuses, recorrendo à imagem de um fio, o fio da vida, do qual se encarregavam três irmãs. Eram mal-amadas pelos povos que, naturalmente, as temiam, não só devido aos seus poderes mágicos superiores, como ao aspeto físico com que as concebiam e representavam: três mulheres esguias e magras, de rostos fechados e inexpressivos.

A mais nova, Cloto, era a mais gentil. A sua tarefa consistia em fabricar o fio, para o que manobrava o fuso e a roca, dando, assim, início à vida. Protegia a conceção e o parto e, solicitada pelos deuses, podia, até, ressuscitar aqueles a quem esses deuses quisessem preservar. Na época clássica, a mitologia passou a atribuir a Cloto, conjuntamente com Hermes, o deus mensageiro e mercador, a invenção do alfabeto, ferramenta essencial para o avanço das civilizações.

A irmã do meio, Láquesis, trabalhava no tear, cruzando o fio, tecendo e marcando o que de bom, ou de menos bom, caberia a cada um viver. O tear, em forma de cilindro oco – a roda da Fortuna – ia sendo coberto de tecido; no topo, o tecido da boa sorte, na base, o tecido do infortúnio.

Quanto a Átropos, o seu atributo era uma tesoura e o seu trabalho, como se depreende, era cortar o fio da vida. As suas representações mais arcaicas mostram-na descarnada, ressequida e lúgubre.

Os romanos, colhendo dos gregos muitos aspectos da sua cultura, ainda que com acrescentos e miscigenações, deram às moiras a designação de Parcas e, com este nome,  se cimentou e difundiu o mito, amplamente aproveitado pela literatura e pela arte, não obstante os ensinamentos cristãos que interditavam e desacreditavam as crenças primitivas.

A partir do Renascimento, a representação destas entidades tornou-se mais rara e menos sombria, mostrando mulheres jovens e belas com os atributos das suas funções, enquanto alegoria da vida que, iniciando-se, segue um trânsito próprio até atingir o seu fim.

De longe, de muito longe no tempo, recebemos este e outros mitos. Porém, quase sempre, eles nasceram no mesmo berço: a Grécia, esse país europeu de montanhas e ilhas, habitado por povos que, expandindo os seus territórios, alguns inóspitos, deixaram noutros povos marcas tão profundas que ainda sobrevivem. Entre nós, portugueses, sabemos bem o que significa «a roda da fortuna», a par com a imagem dos «alcatruzes da nora», como também sabemos o que é «estar por um fio». Estas expressões tão comuns são heranças imateriais que passaram de geração para geração, mantendo a mesma carga cultural e o mesmo significado. Roladas durante séculos, estas palavras estão vivas e não perderam o exato conteúdo.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da  S. C. M. do Cartaxo.

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