Na Grécia antiga, em séculos
muito anteriores à época clássica, a mitologia explicava o curso da vida
humana, e também da vida dos deuses, recorrendo à imagem de um fio, o fio da
vida, do qual se encarregavam três irmãs. Eram mal-amadas pelos povos que,
naturalmente, as temiam, não só devido aos seus poderes mágicos superiores,
como ao aspeto físico com que as concebiam e representavam: três mulheres
esguias e magras, de rostos fechados e inexpressivos.
A mais nova, Cloto, era a mais
gentil. A sua tarefa consistia em fabricar o fio, para o que manobrava o fuso e
a roca, dando, assim, início à vida. Protegia a conceção e o parto e,
solicitada pelos deuses, podia, até, ressuscitar aqueles a quem esses deuses
quisessem preservar. Na época clássica, a mitologia passou a atribuir a Cloto,
conjuntamente com Hermes, o deus mensageiro e mercador, a invenção do alfabeto,
ferramenta essencial para o avanço das civilizações.
A irmã do meio, Láquesis,
trabalhava no tear, cruzando o fio, tecendo e marcando o que de bom, ou de
menos bom, caberia a cada um viver. O tear, em forma de cilindro oco – a roda
da Fortuna – ia sendo coberto de tecido; no topo, o tecido da boa sorte, na
base, o tecido do infortúnio.
Quanto a Átropos, o seu atributo
era uma tesoura e o seu trabalho, como se depreende, era cortar o fio da vida.
As suas representações mais arcaicas mostram-na descarnada, ressequida e lúgubre.
Os romanos, colhendo dos gregos
muitos aspectos da sua cultura, ainda que com acrescentos e miscigenações,
deram às moiras a designação de Parcas e, com este nome, se cimentou e difundiu o mito, amplamente
aproveitado pela literatura e pela arte, não obstante os ensinamentos cristãos
que interditavam e desacreditavam as crenças primitivas.
A partir do Renascimento, a representação
destas entidades tornou-se mais rara e menos sombria, mostrando mulheres jovens
e belas com os atributos das suas funções, enquanto alegoria da vida que,
iniciando-se, segue um trânsito próprio até atingir o seu fim.
De longe, de muito longe no tempo,
recebemos este e outros mitos. Porém, quase sempre, eles nasceram no mesmo
berço: a Grécia, esse país europeu de montanhas e ilhas, habitado por povos
que, expandindo os seus territórios, alguns inóspitos, deixaram noutros povos
marcas tão profundas que ainda sobrevivem. Entre nós, portugueses, sabemos bem
o que significa «a roda da fortuna», a par com a imagem dos «alcatruzes da
nora», como também sabemos o que é «estar por um fio». Estas expressões tão
comuns são heranças imateriais que passaram de geração para geração, mantendo a
mesma carga cultural e o mesmo significado. Roladas durante séculos, estas
palavras estão vivas e não perderam o exato conteúdo.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto publicado no
jornal da S. C. M. do Cartaxo.
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