15 abril 2015

FOTOS

O meu pai contava que um membro da nossa família, fotógrafo profissional, era tão apurado na sua arte que, nos anos 40 e 50 do século passado, conseguia que aparentasse estar bem escanhoado qualquer cliente que exibisse uma barba, digamos, de três dias. Agora usa-se esse tipo de barba mas, na altura, uma foto do tipo «passe», a exigida para documentos, deveria identificar claramente o titular, pelo que, essas «meias tintas» a sombrearem a face não convinham, de todo. Era aí que entrava a arte e a técnica que andam sempre a par: retocar até que fosse atingido o resultado pretendido. Era o «fotoshop» da época, certamente mais demorado e menos perfeito do que o atual, dependente, apenas, da perícia do executante.

Gosto muito de fotografia. Aprecio as obras dos grandes mestres – incluindo os do cinema – e também as fotografias que registam os acontecimentos sociais, fontes históricas de grande valia que refrescam a memória de gerações.

Tenho uma pequena máquina fotográfica, muito simples, de que me sirvo, uma vez por outra, com resultados modestos, quase sempre. Escolho o tema, o ângulo e a distância, o mínimo que se tem de fazer; fujo de mexer em muitos botões porque, ignorando o respetivo potencial, arrisco-me a falhar o objetivo. Fico-me pelo flash e pela aproximação e, assim, julgo garantir a imagem que pretendo. E, quando digo «julgo garantir» estou a falar de uma «fezada» pois, frequentemente, ao serem passadas para o écran do computador, encontro fotos sem qualidade. Aí, valha-nos o «são delete»... e já cá não está quem errou.

Nos primeiros dias deste mês de abril, muito luminosos, fiz mais de cem fotografias em diversos ambientes. Parecia-me, contudo, que o visor não me estava a devolver exatamente o que eu tinha focado; mas, na incerteza, e porque queria registar todos os temas, fui sempre clicando. Ao descarregar a máquina, foi a total desilusão: imagens sem definição, algumas quase brancas, só mostrando um ou outro pormenor mais contrastado. Salvou-se uma dúzia, ou pouco mais. Foi como se aquela luz intensa tivesse entrado no aparelho e dele fizesse casa sua, e tivesse arrancado, com o poder daqueles detergentes de que fala a publicidade, todas as cores, todos os contrastes, todas as sombras, todas as nódoas, num delírio de limpeza, branco mais branco, sem concessões. Para mim, uma leiga na tecnologia, aquilo raiava os contornos da bruxaria.

Analisada, porém, a máquina por quem percebe das subtilezas dos automatismos, as peças encaixavam-se sem que caíssemos no domínio do sobrenatural maléfico. No momento em que iniciei a sessão fotográfica, inadvertidamente, terei tocado num daqueles botões que fazem coisas magníficas nas mãos de quem os sabe premir, e lá fui continuando com os procedimentos básicos usuais sem saber que estava a lidar com seda finíssima. Explicadas aquelas imagens do tipo «o rei vai nu», como justificar, então, a tal dúzia de fotos boazinhas, com bonitas sombras e cores naturais? Isso também me foi explicado mas pouco retive do discurso, dado entender mal o «maquinês», sobretudo o que é empregue nos manuais de instruções.

Como o gosto pela fotografia não ficou beliscado por esta desastrada aventura, continuarei a «disparar», havendo motivo ou sem ele, e, espero eu, sempre se hão-de salvar umas quantas, das boazinhas.

Confesso-me uma fotógrafa de fé.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.

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