Nem o tempo para uma prece
entre o círculo de luz crua
e o véu crepuscular
avançando em tropel
sobre o espelho do mar.
No cimo do morro
ainda o sol a pique
sem um aviso de sombra
nem um sussurro de brisa
que fique como sinal.
Nada para anunciar
o cenário irreal:
o sol rompendo o mar
o azul afogado em fogo
sorvido até à última onda
quebrada atrás do Mussulo.
E logo se desvanece a ilha
de névoa revestida
logo se adensa e escurece.
Nem o tempo de uma prece
nem a Deus um louvor
por tamanha maravilha.
A noite se ergue inteira
feiticeira de brando rumor.
Dia e noite um só instante
mais breve que uma prece.
Quem sentiu jamais esquece.
Maria Amélia de Vasconcelos
Palavras Roladas é um espaço de simples reflexão acerca das palavras que usamos na linguagem de todos os dias e, porventura, de outras, menos gastas, quando convier. As imagens visuais hão-de infiltrar-se, seguras da sua eficácia. Palavras roladas, como os seixos que o vento e o movimento das águas afeiçoaram, como frutos. Então, os olhos encontram-nos e a mão recolhe-os e aquece-os um momento para, mais além, os devolver à praia onde outros olhos e outras mãos os hão-de descobrir e dar calor.
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