16 dezembro 2012

PRESÉPIO

A tradição indica que, no primeiro domingo do Advento, o presépio esteja armado. Presépio – que quer dizer estábulo – é uma palavra antiga que, ao contrário de muitas outras, não sofreu alteração de sentido ao longo do tempo. O seu sentido foi, porém, alargado e enriquecido com a natividade de Jesus, de modo que, quando hoje dizemos «presépio» referimo-nos a uma cena ímpar que terá ocorrido num lugar destinado ao resguardo de rebanhos. O conteúdo, real e simbólico, desta palavra comporta, desde então, uma leitura multifacetada, conforme os saberes e as crenças de quem a faz.

Na nossa cultura cristã, o presépio é a recriação visual do nascimento do Menino-Deus, numa data fixada, por aproximação, mais ou menos imperfeita, para os reais acontecimentos.

É o estábulo, o cenário da história, por assim dizer, que primeiro se deve instalar. E pode ter o aspeto de uma arribana, ou figurar umas ruínas altaneiras, vestígios de castelo, à maneira romântica, ou ser uma simples gruta, forte possibilidade, considerando a orografia ondulante e o clima seco e desolado da Palestina. Depois, irão acrescentar-se as figuras: Maria, José, o Menino, os pastores, e, por último, os magos. Dito assim, parece um quadro natural e terreno, não fora a presença dos que empreenderam longas viagens para virem honrar um rei, aqueles sábios que estudavam os astros e que foram conduzidos até Belém por uma estrela. Antes, ainda, do tributo destas personagens de vulto, tinham vindo ao presépio os humildes pastores, primeiras testemunhas de um acontecimento transcendente. No meio da noite fria, dormindo junto aos rebanhos, foram despertados por um coro de anjos, mensageiros do céu; assim conheceram o local onde o Messias nascera. E correram a adorá-Lo.

Desde o século III da nossa era que são referidas peregrinações a Belém. Mas foi em 1223 que São Francisco de Assis recriou, numa floresta de Greccio, perto da sua cidade, o nascimento de Jesus. Mandou moldar em argila as figuras humanas, tomou um burro e uma vaca e convidou os seus concidadãos para uma missa fora da igreja, na noite de Natal. Nesse cenário e com esses adereços, o Santo fez, de forma viva e ao alcance do entendimento dos presentes, a catequese da Natividade.

As representações do presépio constituíram, desde cedo, temas muito tratados também na pintura.
Na época do Renascimento, as casas nobres da Europa possuíam os seus presépios, verdadeiras obras de arte. Em 1567 está documentado que Constanza , duquesa de Amalfi, mandou fazer um rico presépio com 116 figuras. Em Portugal, no século XVIII, alguns escultores conceberam e moldaram presépios de muito valor. Dois desses artistas – Machado de Castro e António Ferreira – deixaram obras que ainda hoje podemos, felizmente, admirar.
A arte popular mantém vivos os tradicionais bonequinhos de Barcelos e de Estremoz que continuam a produzir-se e a serem apreciados. Às figuras centrais foram-se acrescentando outras: as lavadeiras, os moleiros e os seus moinhos, o povo, no seu labor, casinhas, fontes, poços, pontes…, enfim, elementos que compõem a paisagem rural de um passado (?) não muito distante.

O escritor brasileiro Jorge Amado descreve, no seu romance «Gabriela, Cravo e Canela», um presépio realizado por duas velhas senhoras, trabalho de um ano inteiro, exposto durante a quadra natalícia à apreciação de toda a vila. Era um presépio alargado em cada ano, pois as senhoras iam-lhe acrescentando imagens modernas de todo o tipo, incluindo recortes de revista colados em cartão; as vedetas da época – atores, cantores, literatos, políticos – todos podiam ocupar o seu lugar na representação.

E, pensando bem, não poderá, cada um de nós, tal como somos, caber no Presépio?
Fica a questão. A resposta terá de ser, como se compreende, individual.

Feliz Natal para todos nós.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

17 novembro 2012

NÚVENS

Em Portugal, qualquer estação do ano pode ter dias de céu nublado. Este ano de 2012 foi pobre de chuvas mas rico de nuvens, mais ou menos estéreis, que não cumpriram o que os homens delas requerem: que lhes dêem água, a água líquida que mata a sede, e a da rega, a que encharca a terra que os alimenta. As nuvens, que nos pareciam carregadas, cobrindo o céu, varria-as o vento, a seu gosto, para longe dos campos que se iam ressequindo até ao nível da grande carência hídrica que afligiu todo o país. Mesmo os cúmulos, os grande castelos que apresentam formas assombrosas limitando o horizonte, esses gigantes grossos de chuva, desfizeram-se em névoa ou partiram, a desaguar de outros céus.

Neste outono que vivemos têm surgido, felizmente, nuvens esforçadas e benfazejas cuja ação dispersou as poeiras do ar e já fez reverdecer algumas plantas.

Noutro plano, o social, as nuvens prenunciam-nos tormenta.. É pesado o céu que nos cobre, sem rasgos de azul que nos confortem. De todas as nuvens que pairam, as mais ameaçadoras, a meu ver, são as do desemprego. Todos os dias encerram empresas. Todos os dias aumenta o número de desempregados, uma cifra já muito alta que não dá mostras de querer diminuir. O drama das famílias às quais, faltando o salário, faltam todos os recursos para poderem subsistir, é uma dor a que não ficamos alheios. As instituições que têm como missão socorrer os mais desprotegidos fazem o que podem; na verdade, vão mais além do que aquilo que podem pois, também elas, vivem tempos de vacas magras, traduzidos na escassez dos meios de que dispõem para ajudar. Estamos perante a situação a que os gregos antigos, os pais do teatro, chamavam «tragédia». Vivia-se uma tragédia quando um mal ultrapassava a esfera do privado – e era um drama – e se alargava ao coletivo, com consequências para toda uma nação.

Por ora, não se vislumbram abertas neste céu carregado que pesa sobre a Europa. Porém, a esperança obriga a que continuemos de olhos erguidos, não propriamente «nas nuvens», como quem se distancia do real, num deslumbramento sem causa, mas atentos aos sinais que, não sabemos quando, hão-de alentar-nos e apontar-nos caminhos se salvação, enquanto povos.

E, porque acima falámos de esperança, convém lembrar que, e são registos da História, os tempos difíceis são férteis em avanços das ciências, das tecnologias, das artes, incluindo a arte de bem governar.
E, porque este texto tem como título «Nuvens», o termo, no singular, aplica-se, agora, a uma nova técnica de guardar e disponibilizar informação na Internet. Esta técnica permite aceder, mediante um código, aos dados armazenados, a partir de qualquer local, desde que se disponha de um computador. Para este procedimento, diz-se que a informação se encontra guardada na «nuvem».
É um facto: as palavras são múltiplas nos seus significados. Alguns desvanecem-se ou alteram-se com o passar do tempo; outros, reinventam-se com a frescura de um nascimento.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

15 outubro 2012

MILAGRES

«O Poeta e o Herói são dois milagres; contradizem a Natureza, como duas pedras que voassem.»
Teixeira de Pascoaes (1877-1952)

Vivemos tempos difíceis. Escrevo no plural, nós, pois que me refiro não apenas aos que partilham a mesma identidade nacional, a mesma pátria, que é como quem diz, o solo, o ar, a língua, os costumes, as virtudes e os vícios. Este «nós» abrange a nossa pátria e as pátrias alheias, todas contaminadas por uma degenerescência global que lhes é comum: a avidez pelo lucro, lucro bruto, obtido a qualquer preço, sem ressalva das margens, as de natureza comercial e as de natureza moral, sendo que estas eu considero como leis naturais, semelhantes às que regem o reino animal e o reino vegetal, indispensáveis para uma permanente auto-regulação das espécies.

O lucro desenfreado não se fica pela obtenção de dinheiro. Visa, ao mesmo tempo, conquistar o poder. Associados, dinheiro e poder, ou a inversa, dominam o mundo, estabelecem leis iníquas que esmagam os povos e que sufocam quaisquer tentativas, individuais e coletivas, de alteração do sistema, como seja o estabelecimento de paradigmas sociais e económicos equitativos para os cidadãos.

Tendo vivido duas guerras mundiais e assistido a convulsões políticas e sociais de ordem vária, Teixeira de Pascoaes vislumbrou nos poetas e nos heróis a salvação para os males do seu tempo. Poetas e heróis são milagres, diz-nos este poeta da nossa língua. Têm a dureza da pedra e, tal como as pedras, podem ser armas de arremesso, atingir alvos, mas, também, conferir estabilidade às construções que se querem bem firmadas. Possuem, em contraponto, a leveza de penas, voam, elevam-se, chegam longe e, com a gentileza que lhes é própria, imprimem, onde tocam, marcas de outra índole, marcas no espírito, a que poderemos chamar cultura, ou, até, civilização.

Tempos difíceis necessitam de milagres. Os milagres e a esperança de que ocorram são as duas faces da mesma moeda que é o acreditar que os poetas e os heróis são capazes de traçar, com as palavras certeiras e as ações generosas o caminho de redenção para a sociedade. Os poetas, alimentados pelo pensamento e pela alma; os heróis, sustentados pelo arrebatamento e o coração, estão entre nós e empreendem os seus esforços quotidianamente. Porquê, então, o atual estado das coisas? Porque é que não nos habita uma humanidade mais consciente dos deveres que lhe assistem?

Tenho, para mim, que este é um tempo para o recrutamento de «pedras» que voam, de espíritos com a coragem de recusar os modelos de sociedade que nos são impostos e com imaginação para ensaiar novos modelos. Estes recrutas são poetas e heróis que ainda se não reconheceram como tal. No dia em que despertarem, hão-de engrossar as hostes da mudança. Que não demore esse acordar.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

18 setembro 2012

CULINÁRIA

O Jornal da Santa Casa da Misericórdia do Cartaxo apresenta, nas suas páginas, uma rubrica de culinária.
As receitas são recolhidas entre os utentes da instituição, particularmente as senhoras, que guardam na memória, ou em caderninhos manuscritos, os pratos que preparavam em suas casas, saberes que generosamente partilham com os leitores. Essas receitas são, em suma, testemunhos das vivências de uma nação que soube adicionar à sua dieta ancestral alimentos ou condimentos usados noutras culturas com as quais entrou em diálogo.
A arte da culinária tradicional portuguesa reside na utilização, na justa medida, dos ingredientes obtidos localmente, aos quais se adicionam pitadas de exotismo que os tornam apetecíveis e únicos. Exemplos desta apropriação são às centenas. Lembremos, tão só, a canela, que se impôs na doçaria, e a pimenta, que espevita os aromas dos pratos salgados. Aliás, no âmbito das conservas de carne – os enchidos – os países asiáticos, a África e o Brasil desvendaram-nos uma vasta gama de produtos sem os quais não se alcançariam os sabores que tanto apreciamos, nós e os estrangeiros que têm a sorte de provar a genuína cozinha portuguesa. Afinal, que seria de um chouriço sem o caráter que os cominhos, a noz moscada ou o cravinho marcadamente lhe conferem?
Mas nem só de exotismos vive a nossa comida. No nosso país abundam as plantas aromáticas: hortelã da ribeira, louro, manjericão, funcho, tomilho, mostarda, e outras espécies que, desde tempos imemoriais, aprendemos a usar, ou na alimentação ou na farmacopeia, como mezinha.
Nos tempos atuais dispomos de grande variedade de alimentos, os naturais e os processados industrialmente: congelados, secos, em calda, em pó…A escolha é vasta e depende do gosto, da carteira e do bom senso de cada consumidor, isto é, a consciência de que o valor nutritivo de um alimento é tanto maior quanto mais natural ele se apresenta, é um fator a ter em conta na hora da decisão.

Relendo este escrito, verifico que talvez tenha entrado, sem pedir licença, na rubrica «Comidinha da Avó». Já que assim foi, e para não voltar atrás no tema da presente crónica, reforço a intromissão e deixo, aqui, uma receita simples e deliciosa que nem sequer necessita de lume para a sua confeção. Tomamos um abacate, fruto tropical oriundo da América, parecido com uma grande pêra. Esmagamos a polpa, juntamos um pouco de sal, sumo de limão, alho e coentros muito picadinhos. Obtemos uma pasta, excelente para barrar o pão ou bolachas e à qual se chama, na América latina, «guacamole». Se, em vez destes ingredientes, juntarmos à polpa do abacate açúcar e canela, temos uma sobremesa de fazer cantar os anjos.

Termino as Palavras Roladas de hoje prometendo, a mim mesma, não voltar à escrita em hora que não me parece ser a mais indicada para tal… É que, antes do almoço, cai-me este exercício na fraqueza e resvalo para a culinária.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

17 agosto 2012

JOGOS

Escrevo no rescaldo dos Jogos Olímpicos de Londres.
O país anfitrião não poupou esforços para que todo o espetáculo, que o desporto também o é, fosse grandioso, independentemente das marcas alcançadas, da euforia dos ganhadores ou do desânimo dos que não atingiram os objetivos que se propunham.

Aos Jogos Olímpicos só vão os melhores pelo que, estar presente e participar, é, por si só, um prémio ao alcance de muito poucos. Cada um dos que aí chega é, sem mais, um vencedor.
Portugal levou a Londres atletas com excelentes marcas e coube-lhe subir ao pódium, uma vez, nas pessoas de dois jovens canoístas que alcançaram a medalha de prata na respetiva modalidade.
Para além desta vitória, foram vários os desportistas a quem foram conferidos diplomas por terem atingido lugares cimeiros nas competições.
No conjunto, Portugal teve uma presença digna nestes Jogos, tendo em conta que, por detrás de cada participação está um trabalho de anos, sem pausas nem distrações, com a dedicação de quem é «amador», isto é, de quem ama o que faz e luta por melhorar o seu desempenho. São treinos aturados, de muitas horas diárias, sem tempo para a família ou para a diversão com os amigos, em que não há folgas nem, por vezes, para o necessário descanso. Um atleta tem de ser senhor de uma vontade férrea e de uma auto-disciplina que não ceda à comodidade e ao prazer.

Isto que aqui deixo registado é do conhecimento geral.
Mas, exatamente, por serem por demais conhecidas as exigências a que se submetem os desportistas de alta competição, é que eu me indignei, por ouvir e ler, nos meios de comunicação social, um comentário leviano, para não dizer malévolo, à participação portuguesa nas Olimpíadas deste ano. Alguém comentou, e outros fizeram eco, que, contas feitas aos custos com a presença em Londres, nunca uma medalha ficara tão cara ao país. Será com critérios economicistas que se avalia o desporto? Somos, assim, tão pobres de valores que o mérito desportivo, ou de qualquer outra área, do conhecimento ou da arte, tem de ser reduzível a dinheiro? Porque é que, entre nós, há-de sempre ouvir-se uma voz a amesquinhar um feito que a todos deve honrar, comparando-o a uma mera folha de «deve» e «haver»?
Trata-se de uma pequenês nacional, sem remédio? Tenho fé que não!

Quem dera que vão despontando jovens que invistam no desporto, por oposição ao sedentarismo – com o seu cortejo de hábitos indesejáveis – que é prevalecente na nossa sociedade.
A escola tem desempenhado um papel relevante no sentido de estimular a prática da educação física e do desporto. Disseram-me, contudo, que os novos programas retiram carga horária à disciplina. Sendo isto verdade, e espero estar mal informada, a educação sai prejudicada nos seus objetivos mais amplos: formar cidadãos aos quais se possa, com propriedade, aplicar a máxima: «mente sã em corpo são».

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo



15 agosto 2012

MARÉ BAIXA

Retirou-se o mar
em recuos de água morna
levemente
para não despertar
ecos nos búzios antigos
vigilantes
das marés.

Marcou a sua líquida forma
impressão digital
bordada em orlas
no areal.
Calou a música das ondas
e o grito gutural
das gaivotas esmoreceu
na praia vazia.

Ficámos nós
apenas nós
revestidos de bruma
e maresia
à janela da vazante
no declinar do dia
com as palavras impronunciadas
amarradas na voz.

Ainda agora, que dizias
nesse sibilar murmurante
que não sei decifrar?
Era mar? Amar?
Nesse instante
contavas uma história?
Cantavas uma ladainha?

Soam sempre tão esguias
as falas de conversar
quando a noite se avizinha…

Maria Amélia de Vasconcelos
Agosto de 2012

19 julho 2012

ROMARIAS

Em Portugal, um pouco por todo o lado, com maior incidência no norte do país, é tempo de romarias. Os dias longos e quentes são um convite para uma quebra no quotidiano das gentes e para uns momentos de diversão. É a festa.

A motivação inicial para as romarias não foi a diversão, antes a devoção. Conforme o nome indica, «romaria» deriva de Roma, local de peregrinações cristãs desde os primeiros séculos da nossa era. Aos peregrinos que iam à capital do Império se chamavam «romeiros», designação que se tornou abrangente e que se aplica a quem vai, por devoção, a um qualquer lugar de veneração religiosa.

Pela evolução dos costumes, a festa profana foi criando o seu espaço, foi-o ampliando ao redor da igreja e, nos nossos dias, as «estrelas» da música pop são o chamariz infalível para que uma romaria seja concorrida e dê lucro, condição apetecível para qualquer mordomo que se preze.
Há romarias de grande nomeada, com créditos firmados, que agregam desfiles etnográficos e históricos, cantares e danças recolhidos da tradição, e, até, feiras que atraem multidões.

Neste mês de Julho, a festa mais difundida é a de Santiago. Celebra-se a 25, lembrando o dia em que, segundo a lenda, o corpo do apóstolo que empreendeu a cristianização da Península ibérica foi transladado para Santiago de Compostela. Sobre o seu túmulo se haveria de erigir o santuário e, à sua sombra, cresceria uma das mais bonitas cidades da Galiza, destino de peregrinações oriundas dos quatro cantos do mundo.
Os romeiros de Santiago têm insígnias próprias que os distinguem, as quais, tendo perdido a função prática pelo avanço da ciência e da técnica, se vendem, em miniatura, como lembrança do caminho devocional; são elas: o bordão que ajuda a firmar o passo, a cabaça onde se guarda o vinho do alento e a concha de vieira, taça sempre pronta para, por ela, se poder beber em qualquer fonte.

Os tempos são outros e as fontes já não são puras, com perdão das que ainda o sejam.
Mas, deslocar-se, como peregrino ou como turista, a Santiago de Compostela, é uma viagem que se guarda no álbum das boas lembranças.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo

17 junho 2012

ENCOMENDA

Alguns livros de leitura usados nas escolas primárias portuguesas nos anos 40 e 50 do século passado apresentavam excertos selecionados de obras de vultos importantes da nossa literatura, acessíveis à compreensão de crianças de dez, onze anos. A boa literatura era - e é - entendida como um bom alimento para os espíritos que se estavam a formar e que, na maioria dos casos, não prosseguiriam estudos para além da 4ª classe, ou exame do 2º grau, como também se dizia.
Um desses textos, muito repetido em vários manuais, era «A Encomendinha», retirado de um livro de contos do escritor Trindade Coelho (1861-1908). Tratava-se do relato gracioso da chegada à escola, para o primeiro dia de aulas, de um menino da província. Vinha pela mão da criada que, com «os cumprimentos lá de casa», entregava ao professor aquela «encomenda», isto é, o novo aluno que, muito intimidado, nem imaginava ao que ia.

A propósito de encomendas, das menos comuns, naturalmente, de quando em vez recordo-me deste texto e dos sentidos que, à palavra, podem ser emprestados. Também eu recebi, há umas semanas, uma encomenda, por assim dizer, impensável: escrever umas quadras alusivas aos Santos Populares para serem colocadas nos cravos de papel que enfeitam os manjericos.
Resisti intimamente, sabendo, porém, que, de qualquer modo, não poderia recusar o que me era solicitado. Andei com o assunto enrolado, deixando-o arrastar até ao limite dos limites, entre ganas de que surgisse um bom motivo para desmanchar o (quase) acordo, e a necessidade de ter de honrar o pedido de quem achou que eu levaria a bom termo tal tarefa.
Num fim de tarde, sem grande inspiração, lá me decidi a iniciar a escrita a qual se saldou – como os ovos que compramos! – numa dúzia de quadras dentro do espírito da tradição. Umas nasceram num impulso, outras foram mais pensadas, como sempre acontece com aquilo que fazemos, qualquer que seja a atividade. No que toca aos temas, há as de iniciar namoricos, as de desdém pelo (a) pretendente, passando, é claro, pelas de louvor aos santinhos.
Como estamos em Junho, o tempo das fogueiras com que se celebram popularmente Santo António, São João e São Pedro, deixo aos leitores três dessas quadras, nascidas de uma encomenda e escritas no prazo exigido.

São três santos de devoção
Neste Junho de alegria
Santo António, São João
São Pedro acaba a folia.

Só me falas de mansinho
Quando não queres que te abeire.
Segue lá o teu caminho
Tu não és flor que se cheire.

Se santo António te visse
P’los olhos do meu olhar
Já não seria santinho
Nem estaria no altar.

Votos de boa diversão nos arraiais, com sardinha assada, ou outros petiscos que sejam do vosso gosto.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo

14 maio 2012

LÍQUIDO

A chuva que caiu nas últimas semanas – abençoada chuva cuja ausência, na época em que era esperada, tanto preocupou os portugueses, por causa da memória coletiva de prolongadas secas – a chuva, dizia eu, abre-me caminho para reflexões acerca das qualidades inerentes à condição do que é líquido.

O planeta Terra, a nossa grande casa, a grande mãe que nos sustenta a todos, animais e plantas, é predominantemente líquida. É uma casa com fundações, paredes e tetos feitos de mares, lagos e rios; só as portas, as janelas e o mobiliário serão de terra firme e, ainda assim, por baixo e por entre essa visível consistência deslizam veios de sangue e linfa, os líquidos que dão vida e equilíbrio aos seres.

Os mamíferos, desde a conceção ao nascimento, habitam o meio líquido, aí flutuam e aí se desenvolvem. Uma vez saídos do ventre materno, procuram alimento no leite, leite que «sobe», como dizemos quando se trata de partos dos humanos. «Sobe», isto é, brota do mais profundo até à superfície, como uma fonte que só em determinados momentos escorre. É uma expressão muito poética, esta, a subida do leite. A mulher que deu à luz sofre uma pequena febre, um calor que assinala o movimento de vida que é o jorrar do líquido que vai alimentar o seu filho, até então nutrido do que a nutria. Continua-se, assim, o elo mãe-filho através da alimentação, a par dos afetos que são alimento também.

Os frutos, quando maturados em extremo, destilam líquidos, xaropes densos que tendem para a putrefação porque é líquida a vida como líquida é a morte. Considerando, ainda, os frutos, muitos são esmagados, liquefeitos, para deles só usarmos o sumo. Quem não aprecia uma limonada no calor do verão? O mercado encheu-se de sumos, com polpa ou sem polpa, que consumimos durante todo o ano, às vezes com pouco critério, não levando em conta, como coisa de somenos, alguns malefícios que podem causar à saúde.

Porém, o líquido mais divulgado em todo o mundo é o vinho. De um cacho de uvas espremido sai o mosto, o sumo açucarado que, umas escassas horas depois, deixa de o ser, distante, já, do que lhe deu origem; modificado por processos químicos naturais, perdeu em doçura o que ganhou em álcool.

O homem conhece essa metamorfose desde as mais remotas civilizações, tal como conhece a alma, a força, a natureza da alquimia que transmuta frutos numa bebida digna de deuses, que a requerem para a celebração dos mistérios e para o apaziguamento de tormentas naturais, mitificadas, como as trovoadas, os terramotos, as inundações e as secas.

Com o vinho se brinda à saúde e ao sucesso de quem queremos festejar, por entre vivas e palmas. Com o vinho, sorvido sem critério, engolido sem que se lhe tome o aroma nem o paladar, se destroem vidas promissoras, escravas de um vício.

À volta do vinho há toda uma cultura no mundo ocidental. Só o café pode, ainda que palidamente, comparar-se-lhe. A estes dois líquidos conviviais falta juntar o chá, rei nas culturas orientais, também ele muito apreciado entre nós.
Os três líquidos celebrativos são capazes de fazer sentar, à volta da mesma mesa, um grupo que busque a harmonia e o entendimento.

Não é, porém, «líquido» que a simples ingestão de uma bebida chegue para alcançar tão altos propósitos. E é pena que não seja, assim, tão fácil….

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

ANATOMIA

MELANCOLIA

15 abril 2012

SUBSÍDIOS

«Sub» é um elemento de formação de palavras que designa a posição de «abaixo», «ajuda», «escondido», «dependência, «fim de escala». Tem, como oposto, «sobre», aquilo que se coloca acima, que sobressai, que é aumento ou acrescento.

Aos portugueses, desde há umas décadas, foram concedidos subsídios, consagrados na Constituição, a título de compensação, casos do subsídio de nascimento, de desemprego, de funeral, ou de estímulo, como é o caso de certas produções agrícolas ou de atividades industriais. De entre todos os subsídios, dois destacam-se pela abrangência, em números, dos que os recebiam, e pela regularidade com que eram pagos. Refiro-me aos subsídios de férias e de Natal, pagos aos trabalhadores por conta de outrem, os quais correspondiam, em valor, a dois meses de remuneração.
Era um dinheirinho com que os portugueses contavam para fazerem face a despesas que o salário mensal não podia comportar, os portugueses das classes média e baixa, é bom de ver. Com esse dinheiro gozavam – aqueles que podiam – uns dias de férias, compravam os livros escolares para a prole, iam ao dentista, substituíam um eletrodoméstico avariado, pagavam os seguros, enfim, ajeitavam as suas necessidades a esse rendimento extra que, na verdade, consideravam como fazendo parte integrante da remuneração devida pelo seu trabalho.

Nas condições financeiras em que o nosso país se encontra, esses dois meses deixaram de ser pagos a muitos trabalhadores. Ninguém duvidará dos enormes transtornos que as famílias sofrerão com esta diminuição do rendimento, para não falar, porque não é esse o tema deste escrito, da situação dos desempregados, números todos os dias crescentes, ao ritmo da angústia de quem se preocupa com a situação social portuguesa.

Quando o sufoco do país abrandar – e esse dia há-de, por força, chegar – os dois subsídios não voltarão a ser pagos, terão sido banidos para sempre, quase posso jurar. A sociedade, sempre em mutação, encontrará, assim o espero, outros instrumentos para remunerar a população, a ativa e a reformada, pelo seu desempenho, sem recurso a pagamentos que se designem «sub qualquer coisa»; basta, tão somente, que a cada um dos doze meses corresponda o salário, ou pensão, justo. Que se mantenha uma ajuda (bónus? prémio?) quando nasce uma criança, uma ajuda para as despesas com os estudos dos jovens (bolsa? empréstimo?) , uma ajuda para um funeral, isso é uma partilha de responsabilidades entre a esfera privada e o Estado.
Querer compensar com o valor de dois meses de salário a magreza da remuneração mensal parece-me um remendo que não é remédio, que não dignifica quem o recebe pois assenta em valores calculados por defeito.

Não gosto de subsídios, como já se notou. Prefiro a justa paga que, para além da sua justeza, poderá ser pedagógica, na medida em que poderá contribuir para que os orçamentos familiares se construam com dados reais, sem ocas esperanças em futuras entradas de um dinheiro que, desde logo, já deveria estar a ser repartido.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

14 abril 2012

ESPÍRITO

Fluir como o rio manso
nas águas rijas de Abril.

Inundar as margens altas
sem limites de expansão.

Fecundar como mosto rubro
a planície da razão.

Nascer como golpe de luz
apontado ao mais profundo.

Como um vulcão revolver
o secreto interior.

Como o ar entre os escombros
Permanecer.
Maria Amélia de Vasconcelos

13 março 2012

ARTE

Haverá uma dúzia de anos – é incrível como o tempo se escoa, quase sem darmos por isso! – assisti, no teatro Villaret, em Lisboa, a uma peça de teatro, com encenação e interpretação do admirável António Feio, na qual participavam, também, outros atores, todos brilhantes, aliás.
A questão que se colocava em cima do palco, com a cumplicidade de um público completamente rendido, era o conceito de Arte. O adereço principal, o fulcro da discussão, era um quadro sem cor que, por ser tão importante no cruzar das ideias, era, ele mesmo, uma personagem.

Depreendia-se do enredo que a tela teria custado bom dinheiro ao proprietário da casa, homem a meio da vida, que construíra a pulso uma carreira e que começara, há pouco, a investir em obras de arte. Os seus amigos, materialmente menos abastados, com percursos diferentes, tendo, cada um, uma visão própria acerca do que é essencial ao homem, vivendo os seus dilemas e contradições internas, foram convidados a apreciar o quadro e as suas apreciações coincidiram, apenas, num ponto: o quadro era branco, totalmente branco. O dono lançou-se na defesa da obra, para a valorizar. Apontou gradações e contrastes de branco, texturas, sugestões de contornos e volumes, incidências de luz, perspetivas, alterações delicadas, conforme fosse visto de tal ou tal ângulo, e, é claro, colocou num pedestal a assinatura do autor, um mestre. Esforço vão. Não obstante o vigor da argumentação, para os outros o quadro era branco, branquinho imaculado, sem mais, ponto final.
No texto havia, embrulhados na discussão, aparentemente fútil, vários conceitos importantes e a sociedade que os elabora ia sendo desnudada com a irreverência própria de uma comédia, bem articulada e sem moralismos.

Veio-me à memória esta peça - Arte - quando hoje, através do noticiário da Antena 1 tomei conhecimento que uma conceituada firma internacional de leilões mandou a Portugal alguns dos seus peritos para avaliarem gratuitamente (esta é uma palavra muito em desuso, diria, mesmo, a tender para o limbo do esquecimento) objetos de arte, pertença de particulares.

A peça radiofónica incluía algumas breves entrevistas com pessoas que tinham recorrido, ou iam recorrer, ao parecer dos experts.
Apenas duas pessoas disseram ser proprietárias dos bens que levavam para avaliação e assumiram que talvez os entregassem para leilão. As outras optaram por evasivas: «é um quadro que está na posse de um amigo lá da minha terra…», «uma amiga pediu-me que...», «não preciso de vender mas gostava de ter uma ideia acerca do valor…».
A leiloeira acomodou os funcionários num hotel de uma zona nobre, nos arredores de Lisboa, de acordo com a categoria dos potenciais clientes, e como o exige a categoria da própria empresa.

Parece evidente que um quadro absolutamente branco, como aquele de que falámos acima, não seria aceite para leilão, embora, creio, não sejam desdenhados certos tons de branco, como o branco do marfim, o dos metais preciosos, o de certas pedras, ou o das pérolas. Aí sim, vale falar-se de gradações, de diferenças na captação da luz, de qualidades artísticas e artesanais, de patines e de autorias e escolas, se possível.

Este pequeno texto deveria ficar por aqui. Mas não é que, tão a despropósito, me ocorreu a palavra «crise»? Sim, aquela crise que a História há-de analisar, aquela que anda em todas as bocas, a nacional, a europeia, a mundial, a da economia e das finanças e, até, a dos costumes. Convenhamos: este parágrafo está a mais. Não se entende bem, de facto ,o que é que a Arte, a crise e a oportunidade de negócios possam ter em comum…

Nota final: Caro leitor, se quiser, pode ignorar, mesmo, o último parágrafo e não tem que apresentar justificações. Ora essa! Era só o que faltava!

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

15 fevereiro 2012

RUMOR

Gosto desta palavra.
Agrada-me quando a oiço, quando a pronuncio, quando a penso É assim, no singular, que o conceito se torna imagem, com contornos auditivos e visuais. Diria, até, se não fosse abuso ou exagero, que os outros sentidos também conferem dimensão à imagem de «rumor», isto é, a palavra traz um odor fresco, um tatear de seda, um sabor de um fruto a estalar na boca. Reconheço que poderá parecer abusivo convocar os cinco sentidos tradicionais para definir uma palavra simples, apenas porque a acho musical e delicada, e uma das mais bonitas da nossa língua. Os leitores podem discordar, é claro; nem por isso «rumor» descerá na minha tabela de preferências.

Escrito no plural, «rumor» é detestável. Ouvir rumores incomoda-me muito. Os rumores significam boatos e os boatos são gotas de veneno, mesmo que misturadas com apetecíveis manjares. Podem não matar mas causam sempre danos. Os rumores/boatos devem ser tão velhos quanto as sociedades e torna-se impossível, por mais que recuemos no tempo, descobrir o grupo humano que primeiro se deu à prática do «diz que diz». Quem sabe? Talvez o Paraíso fosse aquele lugar abençoado tão somente por não haver condições para os rumores fazerem caminho. Entre Adão e Eva não podia caber a maledicência que só a sociedade pode gerar.

Os rumores propagam-se quase à velocidade da luz, nesta era de meios de comunicação tão rápidos que colocam a notícia ao alcance de um «clique» nos quatro cantos do mundo. A aldeia global em que vivemos debita informação e desinformação, ao mesmo tempo, uma e outra contendo opiniões das «fontes bem colocadas», misturando dados objetivos com fantasias, suposições, interpretações intencionais cujo alcance nos escapa. Nós, os consumidores de informação, não dispomos dos instrumentos que nos permitiriam separar os factos das opiniões que lhes retiram nitidez ou lhes acrescentam pormenores que os desfiguram. Contra a nossa vontade, consumimos, pois, também, rumores, recebemos a nossa quota-parte do veneno. Por causa dos rumores, podem construir-se ou destruir-se reputações, quer estejam em causa os indivíduos ou os grupos, e nem os países escapam aos seus malefícios, alimentados por preconceitos sem fundo de sustentação, apoiados em coisa nenhuma, nascidos não se sabe onde, propagados por não se sabe quem.

Os rumores não têm rosto. Por isso, não necessitam de máscara para se ocultarem. Mas não são cegos nem aleatórios: escolhem a vítima e vão tão longe quanto podem para a abater.

Meditando sobre os prejuízos que os rumores acarretam, tenho pena de que a palavra que é título deste texto tenha, no seu plural, um tão vil significado. Vale , aqui, o ditado: «no melhor pano…».

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

17 janeiro 2012

IMPORT/EXPORT

Haverá, por certo, quem não aprecie flores. Gostos e interesses não se discutem, obviamente. No que me toca, não conheço ninguém que não goste de plantas, seja pelo seu porte, pela folhagem, pelas flores ou pelos frutos. Isto tanto vale para as espontâneas como para as cultivadas, sujeitas, estas, a melhoramentos genéticos, a tratamentos científicos e a cuidados de quem sabe do que está a tratar ou, melhor ainda, a desvelos de quem as estima, deveras.
As plantas são um produto transacionável, como qualquer outro. As flores constituem um negócio em alta, particularmente em certas épocas do ano.

No outono passado, necessitei de comprar uma rosa branca, em memória de um ente querido. Entrei numa florista, pela manhã, e não vi exposto o que pretendia. Ainda assim, perguntei à vendedora se tinha rosas brancas. Respondeu-me que talvez tivessem acabado de chegar e apontou-me uma meia dúzia de caixas de cartão, com cerca de um metro de comprimento, empilhadas atrás do balcão. Começou a abrir as embalagens e ia pondo a descoberto molhos, bem atados, de flores. A terceira ou quarta caixa continha um molho de rosas brancas, com caules grossos e longos.
Enquanto foi decorrendo a busca, fomos conversando. Fiquei a saber que as flores tinham chegado ao aeroporto de Lisboa naquela mesma madrugada e que estavam a ser distribuídas, àquela hora, por várias lojas, pelo país fora.
Esta informação fez-me pensar, de imediato, na ilha da Madeira, a pátria das flores portuguesas, desde as mais comuns às mais exóticas. Para confirmar o que julgava ser um facto, lancei um olhar à tampa da caixa, pousada sobre o balcão. Com espanto vi as etiquetas que revelavam que a encomenda fora enviada da Colômbia. Retomei o diálogo, à espera que me fosse dito que vira mal, que o produto era nacional e que «Colômbia» era uma marca, ou o nome de uma estufa, enfim, qualquer coisa que me levasse a descrer estar perante uma importação de tão longínquas paragens. A Holanda estaria no meu horizonte de expetativas pois já comprei muitas flores criadas nos Países Baixos, mesmo antes da União Europeia. Mas, a Colômbia? Rosas, assim, tão fora do meu entendimento?

A rosa saiu, magnífica, das mãos da florista, salpicada de verdura, fresca como se tivesse sido colhida ainda há instantes.
Eu pergunto-me qual terá sido o custo verdadeiro daquela rosa, qual o valor dos salários pagos a quem trabalha nas estufas da Colômbia… Pergunto-me mais: quanto custa, em termos da qualidade do ar que respiramos e dos recursos naturais, transportar rosas da América para a Europa, não o preço de uma rosa, é claro, mas, por extensão, quanto custam as toneladas de produtos que poderíamos obter mais perto…

O meu rol de questões é longo. E ocorre-me sempre mais uma, ou outra, quando sigo o rasto de um qualquer avião de longo curso, dos muitos que cruzam os céus de Portugal.

Maria Amélia de Vasconcelos
Texto publicado no jornal da S. C. da M. do Cartaxo.

01 janeiro 2012

O SOBERANO FALA À NAÇÃO

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