Barcelona-Basílica da Sagrada Família (interior) Fotografia de: Maria Amélia Vasconcelos |
Palavras Roladas é um espaço de simples reflexão acerca das palavras que usamos na linguagem de todos os dias e, porventura, de outras, menos gastas, quando convier. As imagens visuais hão-de infiltrar-se, seguras da sua eficácia. Palavras roladas, como os seixos que o vento e o movimento das águas afeiçoaram, como frutos. Então, os olhos encontram-nos e a mão recolhe-os e aquece-os um momento para, mais além, os devolver à praia onde outros olhos e outras mãos os hão-de descobrir e dar calor.
10 novembro 2015
PALAVRAS FUGIDIAS
Precisamos delas, das palavras,
obviamente para comunicarmos, mas, também, para organizarmos o nosso pensamento
e conseguirmos transmiti-lo, o mais próximo possível da ideia que é necessário
exprimir. Pensamento e palavra andam a par, ou, melhor, deveria acontecer
sempre assim para que o discurso não dê aso a qualquer indefinição e não
permita que venham outros, com a melhor das intenções, explicar aquilo que nós
tínhamos querido dizer. A verdade é que o vocabulário é um bem pessoal que
difere em extensão, em precisão e em colorido conforme os falantes e as suas
circunstâncias.
O que acabo de escrever é sabido
de todos, tal como o que passo a referir, o tema da nossa conversa de hoje: as
palavras que não comparecem quando delas precisamos, as fugitivas, as que
«estão mesmo debaixo da língua» e que, no entanto, se escondem nos labirintos
da memória, em cantos escuros e poeirentos, aranhas que se encolhem em bola
quando estamos mesmo a tocar-lhes e aí ficam, imóveis, a rir-se da nossa busca
infrutífera.
Este jogo do gato e do rato
acontece-me com alguma frequência. É então que, de esforço em esforço, vou trazendo
à luz alguns sinónimos (quando existem ou eu os conheço) para amparar um
discurso que tendia para o desequilíbrio. Em marés altas de sorte, deparo com
um, robusto e prestável e o assunto poderá – poderia – ficar, com
clareza, arrumado. Poderia ficar arrumado mas não fica, por teimosia minha,
sempre que o desafio é daqueles que «até dá raiva», de simples. Uma palavra
banal, sem mistério, coçada do uso, escapar-se-me, assim? Não deixo, sem dar
luta. Tal como o gato, não esqueço a presa e continuo a caçar o termo exato
para expressar a ideia, mesmo quando a urgência já se encontra ultrapassada.
Não tenho, verdadeiramente, um método, no que sou inferior ao gato, nem a sua
paciência natural. Esforço-me, contudo, por não perder de vista o objetivo e utilizo
alguns truques, que aqui deixo, não vá ser o caso de algum leitor, tal como eu,
ser vítima das travessuras das palavras fugitivas. Mentalmente – tudo isto é
trabalho mental – ressuscito a ideia e, com ela, vou compondo frases com os
sinónimos, alguns, até, recolhidos do calão; procuro recordar-me da primeira
letra da palavra ou da sílaba da sua terminação; neste último caso, invento
rimas para essa terminação; faço associações livres, recorrendo a campos
semânticos, os mais variados.
Nestas voltas e reviravoltas,
acontece que, às vezes, ganha o gato – eu – que, triunfante, ergue a presa – a
palavra – não para a engolir mas pelo simples prazer da vitória alcançada.
Durante uns dias a palavra mantem-se muito viva, ufana de se mostrar, até que,
pouco a pouco, reencontra o seu lugar na memória, junto das outras palavras
que, como um leque, se abrem como um todo funcional.
Acontece, pois, que uma palavra,
a mais vulgar, pode escapar-nos sem aviso, como uma rã saltando da pedra para o
charco; nem a vemos! Ouvimos «splach» e já fugiu... Descobri-la, depois, leva
tempo, exige determinação e entrega. Só quando a recuperamos é que percebemos que
não há palavras menores, pois todas são grandiosas, se nos fizerem falta para
que as falas não fiquem cinzentas. Desejamo-las bem iluminadas, definidas,
marcantes, porque, a falar claro nos entendemos.
Maria Amélia de Vasconcelos Timóteo
Outubro de 2015
Texto publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.
28 setembro 2015
EM FORMAÇÃO
Eram cerca de vinte pessoas, a maioria do sexo feminino, que
cumpriam uma jornada de formação. Não tendo eu visto qualquer identificação,
atrevo-me a afirmar que a média de idades ultrapassava os quarenta anos.
Encontrei-os divididos em pequenos grupos discutindo objetivos e estratégias,
tomando notas e construindo documentos para apresentar ao formador. Este
reconhecia-se ao primeiro olhar: fato completo, gravata, ar sério e passos
medidos por entre as mesas, olhando de alto. Se dúvidas me assaltassem elas
dissipar-se-iam quando o senhor avisou o grupo de que os trabalhos iriam
recomeçar.
A revoada deixou os lugares à mesa e, pouco a pouco, foi
entrando numa sala. Chegava ao fim o «break» que não fora, afinal, de descanso
mas, apenas, um filão estreito e, talvez, mais claro entre a massa pesada e
argilosa que havia para moldar: as competências, signifique o termo o que
significar. Soltaram-se, então mais alto, algumas palavras, tais como,
responsabilização, colaborador, empresa...
Deste quadro concluí que, enquanto eu descansava e
contemplava lonjuras, o verão se tinha escapulido entre os meus dedos, mesmo
que o calendário não o confirmasse. É que, ali ao meu lado, trabalhava-se,
talvez sem entusiasmo, presumo eu. Setembro não tinha chegado a meio, ainda não
se dourava a natureza e o desencanto daqueles formandos era já patente.
Gostaria de acreditar que estas pessoas se enquadravam numa
qualquer empresa estável, que, no final do mês receberiam um salário digno para
fazerem face às despesas, que, enfim, tinham um emprego e estavam a atualizar
conhecimentos, de modo a melhorarem a sua prestação profissional.
As grandes e médias empresas proporcionam aos seus
colaboradores esses momentos de aperfeiçoamento, com proveitos notórios nas
competências individuais e na rentabilidade e eficácia do trabalho.
Este grupo, no entanto, não parecia ter a coesão de quem se
conhece e se empenha na direção de uma finalidade comum. Ao vê-lo, assim,
compósito, recuei vinte e tal anos e lembrei-me do tempo em que, quem não
arranjava emprego e tinha algumas qualificações escolares, ajeitava a vida
vendendo enciclopédias de porta em porta. Eram jovens e tratava-se de uma
ocupação temporária, semelhante à dos que, hoje, nos propõem que nos
fidelizemos a pacotes de telefone-televisão-internet.
As pessoas que observei não eram, propriamente, jovens. Cada
uma delas já terá, por certo, experiência profissional numa qualquer área.
Estavam em formação, mais uma formação, por certo, na tentativa de alcançar um
posto de trabalho.
Se não olharmos, apenas, ao aspeto prático e objetivo deste
«estar em formação», todos nós, seres humanos, estamos em formação enquanto o
espírito estiver desperto, pois há, sempre, algo para aprender ou para cimentar
mais profundamente. «Estar em formação» igual a estar desempregado é uma
realidade dos nossos dias, triste realidade que é impossível ignorar, tantas
são as famílias que vivem sob condição, a prazo, à espera que uma formação lhes
abra as portas para um trabalho compensador.
Seria bom que amanhã fosse o dia em que o número do
desemprego se reduzisse a um dígito percentual. Baixinho, acrescento ainda.
O trabalho é parte
integrante do conceito de pessoa, confere direitos e deveres, firma a
auto-estima. É ele que aglutina as sociedades e as faz prosperar.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto
publicado no jornal da S. C. M. do
Cartaxo
DOS SONS NASCEM AS IDEIAS
Jaíra foi a primeira a afastar a cadeira da mesa, perguntando
se estava ocupada.
Estava livre. Sentou-se, então, com um suspiro de cansaço e
alívio, como quem alija um carrego. Na
sua frente sentou-se a amiga, cumprimentando-nos com um sorriso e uma
inclinação de cabeça.
O nosso almoço aproximava-se do fim, faltando só a sobremesa.
Em menos de um «ai», as duas mesas tornaram-se numa só, uma «mesa redonda» de
conversa, mais de meia hora, de conversa espontânea. As recém-chegadas tinham
desembarcado em Portugal, vindas do Brasil, estado de São Paulo. De dois em
dois anos, estas amigas saem do seu país natal e visitam o velho continente,
conjuntamente com um grupo que, em geral, se compõe dos mesmos elementos, sempre
a cargo da mesma agência de viagens. Desta vez o destino era a Hungria. Em
Lisboa faziam escala e dispunham, apenas, de umas quantas horas, poucas, de
modo que não iriam alargar muito o escasso conhecimento que tinham da cidade.
Sobre o nosso país tinham algumas informações, sobretudo do
momento sócio-político e económico. Interessadas na sustentabilidade do
Planeta, aflorámos esse tema, entre muitos outros. Por elas ficámos a saber que
São Paulo tem problemas com a água potável já que os aquíferos, embora ricos,
se encontram poluídos. A ganância, que grassa por todo o lado, permitiu que a
grande metrópole se estendesse em construções que chegam às encostas de onde
escorrem cursos de água. Em consequência, nas caves desses prédios abusivamente
implantados onde não deveria existir construção, foram instaladas bombas que,
dia e noite, escoam, rua abaixo, as águas que nelas se depositam, sem proveito
para ninguém, o puro desperdício de um bem que deveria ser usufruído por todos.
Quanto ao saneamento básico, as zonas rurais envolventes desconhecem o
conceito. Os mais esclarecidos constroem, nos seus quintais, fossas ecológicas
cujo material orgânico é, posteriormente, aproveitado no enriquecimento dos
solos agrícolas. Espantou-as, a informação de que, em Portugal, mais de 90% do
território habitado dispõe de infra-estruturas modernas e eficazes.
Saltitando de tema em tema, soubemos que eram, ambas,
professoras aposentadas do sistema público. Curiosamente, não tendo laços
familiares, estas duas senhoras descendem de holandeses. Uma delas, de feições
marcadamente orientais, tem as suas raízes mais próximas no Japão. O nome de
família é Okajima, apelido comum naquele país. Esta palavra sugere-me um fruto, tem forma de fruto, não sei porque
razão, colorido, sumarento e aromático. Rimos os quatro quando eu partilhei
esta ideia, tirada de coisa nenhuma, assente apenas nos sons da palavra, tão
ritmados e melódicos que lhes associei os sentidos e lhes dei um corpo.
Quem sabe? Existindo tantos frutos exóticos que desconheço,
talvez ainda, um dia, possa saborear uma okajima. Bem madura, que não gosto de
fruta verde.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto
publicado no jornal da S. C. M. do
Cartaxo
25 julho 2015
22 julho 2015
GUERNICA - PEÇA EM TRÊS ATOS
Quente, muito quente, assim entrou o verão este ano e assim se
tem mantido, pelo menos no centro/sul do país. Alguns ameaços de trovoada, sem
efetivas consequências, não têm chegado para descolorir este bom tempo que
reclama por pausas nos afazeres, tempo de férias para quem as pode gozar. E,
quando tal não é possível, uma excursão de um dia, ou de meia dúzia de dias, já
vale para quebrar as rotinas e descansar o espírito.
Há três semanas tive a oportunidade de usufruir de um breve
intervalo que aproveitei para conhecer melhor o País Basco. É um encanto viajar
pela Cordilheira Cantábrica, ver a água deslizar pelos leitos em declive,
adivinhar, entre as copas das árvores, de um verde sempre novo, o solo túmido,
sempre pronto para gerar vida. E o mar sempre por perto, mesmo quando a cortina
vegetal oculta à vista o Golfo de Biscaia.
As cidades, ricas em monumentos e em arquitetura
contemporânea de qualidade, têm vindo a afirmar-se por um crescimento não
agressivo, quer em altura, quer em volumetria. Se existem ou existiram
desequilíbrios ecológicos, eles não se deixam aperceber pelos olhos apressados
dos turistas, esses espreitadores sem tempo para minúcias.
Nunca tinha estado em Guernica.
No entanto, em termos históricos, Guernica era-me familiar,
enquanto cenário de um horror sem ressalvas, muito para além de um episódio
sangrento de uma qualquer guerra. O que se passou em Guernica foi um massacre
intimidatório para memória indelével de contemporâneos e vindouros, para que
não ousassem nunca mais querer o que o poder instituído proibia.
Em termos artísticos, o quadro conhecido com o nome da
cidade, pintado por Picasso em tons de cinzento e negro (que outras cores
poderia usar para representar um alegoria àquela violência gratuita? Talvez o
rubro do sangue e do fogo!), leva multidões a admirá-lo no Museu do Prado. É
assim que Guernica continua a clamar em uivos de dor, uma dor que não conhece
paliativos.
Julgava conhecer, em traços fortes, toda a tragédia. Não
conhecia. Antes deste terceiro ato tinham-se desenrolado os anteriores, menos
divulgados, e resumidos como segue:
1º ato: numa aldeola dos arrabaldes, as mulheres, com as suas
pequenas crianças agarradas às saias, lavavam a roupa no tanque comunitário.
Ouviu-se o roncar dos motores de um avião a partir do qual foi descarregada
sobre o grupo a metralha necessária para fazer o que tinha de ser feito: matar,
estropear, ferir, amedrontar, calar.
2º ato: num domingo, os católicos de três lugarejos assistiam
à missa na única igreja existente. Passou um avião e, sobre aquela comunidade
em oração, foram disparados tiros até que o pequeno templo se desmoronou
esmagando todos os que estavam lá dentro.
De horror em horror, no 3º ato foi usada – testada – uma
bomba para que a terra tremesse e se rasgasse, e nem o carvalho ao redor do
qual, desde tempos muito remotos, os povos se reuniam para administrar a
justiça e decidir do seu rumo, subsistisse. A árvore não terá sido queimada,
assim se diz. Também não foram queimadas as Casas da Junta ou Assembleia,
conjunto de construções frente às quais se dispuseram, fardados, os voluntários
ingleses que estavam no país. Pouparam-se as instituições bascas, os seus
símbolos, ou os estrangeiros, quando ainda era cedo para declarar a guerra ao
Reino Unido, guerra que envolveria grande parte do mundo?
Como recordação, e por amabilidade do guia, trouxe de
Guernica uma folha de carvalho, de um dos muitos carvalhos que por lá se
encontram. Não gostaria de a perder porque gosto de cuidar da memória, mesmo
quando dói.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto
publicado no jornal da S. C. M. do
Cartaxo.
17 junho 2015
CHAFARIZ
Escrevo no dia de Santo
António, o santo português nascido em Lisboa e que o mundo cristão conhece,
sobretudo, como «de Pádua», a cidade italiana onde viveu, pregou com elevada
erudição e faleceu, em cheiro de santidade, com, aproximadamente, trinta e seis
anos de idade.
Contemporâneo de São
Francisco, o testemunho espiritual que nos legou reflete a sua sabedoria e amor
ao próximo. A fé popular encarregou-se, porém, ao longo dos séculos, de
envolver a sua figura austera em lendas, de recorte variado, compondo cenários
nos quais ocorrem milagres «suaves» como o conto que Eça de Queiroz escreveu,
milagres singelos para a satisfação de preces inocentes ou, até, para resolver
acidentes de pouca monta, como é o caso das bilhas quebradas por causa de namoricos
à beira de um qualquer chafariz.
O quadro-tipo destes
milagres é, com ressalva de pormenores, o seguinte: uma moça de aldeia, ao
findar do dia, depois da faina no campo ou nas lides caseiras, pega no cântaro
de barro e vai enchê-lo à fonte ou a um poço. Depois de cheio, coloca-o à
cabeça no preciso momento em que, detrás de uma sebe, lhe aparece o namorado ou
o rapaz que a requesta. Assustada ou emocionada com o encontro, a rapariga
perde o equilíbrio e a bilha faz-se em pedaços, caída a seus pés. Sem
recipiente, como recolher a preciosa água? E é água, mas salgada e em torrente,
que, então, lhe cai pelas faces. Que lhe valha Santo António naquela aflição! O
santinho, condoído, acorre a restaurar, pedaço a pedaço, (ou terá sido com um
simples estender da mão, ou com um sorriso, ou com um olhar?) a infusa que,
retornando à fonte, se enche de novo, mais inteira do que quando o oleiro a deu
como pronta.
Há dezenas de lendas
que atribuem milagres deste género a Santo António, um santo muito querido dos portugueses,
e não só. Um pouco por toda a parte, no mundo católico, há imagens de Santo
António nos altares, havendo casos em que lhe são dedicadas capelas; emociona
encontrá-las em países tão distantes do nosso. Em Roma, a igreja de que é orago
é também conhecida como «igreja dos portugueses».
O tema «Santo António»
preencheria várias páginas, livros inteiros, até. Talvez em futuras «Palavras
Roladas» calhe voltarmos ao assunto. Hoje, o título do artigo é «Chafariz»;
assim o pensei, assim o mantenho. Mas, tal como as cerejas, que se vão comendo
sem darmos por isso, assim são as palavras: marcamos-lhes um rumo e desviam-se,
fogem à nossa regra, tornam-se, por assim dizer, donas do seu destino, rolando,
rolando...Precisamos de lhes dar uma voz de comando inequívoca se queremos
garantir o nosso propósito.
Ora, pois, chafariz é
uma palavra de origem árabe – quem diria? – uma das que nos ficou, bem firme,
na linguagem comum. Inicialmente, o termo correspondia, também, a cisterna,
poça de água, bebedouro, lavadouro público. Enquanto «poça de água» era, de
facto, uma fonte de mergulho, uma espécie de tanque em que se mergulhavam as
vasilhas para as encher. Os preceitos de higiene vieram proibir esse método de
abastecimento, perigoso para a saúde pública, quanto mais não fosse, porque os
animais bebiam também, diretamente, desses tanques. Um documento da Chancelaria
de D. João I, de finais do século XIV, manda que se faça «um chafariz para
beberem bestas...», prova de que, na ressaca da peste negra, se entendia que os
humanos deveriam servir-se de fontes cujas águas não fossem contaminadas por
animais.
No século XVIII, D.
João V dedicou uma atenção especial ao abastecimento de água às populações,
mandando sanear nascentes e fontes, encanar a água e fazê-la sair, mais ou
menos, límpida, de muitos chafarizes nos territórios que compunham o Portugal
de então. Alguns deles são edificações barrocas elaboradas, rematadas pelo
escudo régio, uma marca de poder que valia uma assinatura.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto publicado no
jornal da S. C. M. do Cartaxo.MAIO, MADURO MAIO...
Assim começa uma das
baladas que José Afonso cantou e que continuamos a ouvir, sempre com a emoção
que produz uma bela música à qual se junta a poesia, tão acertadas uma com a
outra que parece terem nascido de um mesmo fôlego de inspiração.
Maio é o mês de
transição entre o frio e o calor, o inverno e o verão, o ponto médio entre a
dormência da natureza e a sua revitalização. Chamamos-lhe «o mês das flores»; a
Igreja Católica dedica-o à Virgem Maria. Quando referimos «o mês de Maria», é
de maio que falamos, associando a delicadeza
das flores à figura da Senhora que, em Fátima, se manifestou, pela primeira
vez, em maio, aos pastorinhos.
Por detrás destas
conhecidas e atuais denominações, existe um fundo muito antigo que remonta às crenças
e cultos dos povos que nos antecederam, povos cujos conhecimentos não eram
científicos, demonstrados por experiências exatas e sistemáticas, mas colhidos
pela observação dos fenómenos naturais, como o crescimento de animais e plantas
e o movimento dos astros. Assim se foi estabelecendo um sistema de crenças,
práticas religiosas e atividades de subsistência que regulava a vida social de
cada tribo e que tinha como suporte um sincretismo que não era questionável.
Como é próprio do ser
humano, os momentos de festa, tão necessários ao corpo e ao espírito, ocorriam
no tempo determinado, interrompendo o labor do dia a dia. Não existia o
conceito de férias mas eram frequentes as festas de caráter sagrado,
obrigatórias para toda a comunidade.
A mãe do deus Mercúrio,
Maia, era cultuada na Roma antiga. O seu nome foi atribuído ao quinto mês do
calendário juliano e as festividades, no 1º e 15º dia do mês, atingiam o seu
ponto máximo. No primeiro dia, as portas das casas eram enfeitadas com flores,
assinalando o bom tempo e, também, o mito segundo o qual a deusa enfeitava o
filho, enquanto bebé, com flores amarelas.
Os celtas também
realizavam, em maio, uma festa de índole mágico-religiosa visando a
fertilidade, em honra do deus Beltane ou Beleno, nome que significa «o fogo
sagrado». Esta festa ocorria na primeira noite de lua cheia de maio. O lume de todas as casas da aldeia era
apagado, após o que, no cimo de um monte, se acendia uma fogueira a partir da
qual se iam acendendo fogueiras menores. Destas, eram retirados os tições, de
modo que o lume pudesse, de novo, brilhar em cada lar, um novo lume, início de
um novo tempo. Ao redor das fogueiras, o povo dançava, cantava e comia até
raiar a aurora.
Em Portugal subsiste,
ainda, o costume de enfeitar portas e janelas com ramos de giesta, um arbusto
de flores amarelas a que, no norte, chamam «maias». Consideradas pagãs, estas
decorações e festas foram proibidas, pelo menos até ao século XV. Mas a
tradição era mais forte e, na prática, nunca foram abandonadas. Em Trás-os-Montes,
na festa das maias, comem-se castanhas já secas ou piladas. Nalgumas aldeias,
as jovens enfeitavam de flores um menino – o Maio-Moço – e mostravam-no, de rua
em rua, cantando e dançando. No sul do país, havia o costume de as meninas se
vestirem de branco, adornadas de flores e de se sentarem às portas, ou num
largo, enquanto as amigas pediam uma moeda a quem passava. No Algarve, na zona
de Lagos, ainda se fazem bonecas a que chamam maias, um artesanato urbano
moderno, com raízes no tempo em que se faziam bonecas com palha de centeio,
coroadas de flores.
Tanto quanto julgo
saber, no Ribatejo não há vestígios da tradição das maias. Lembro-me, porém,
quando era criança, que, na manhã do 1º de maio, deveríamos sair cedo da cama
para que «o maio» - personificado como coisa nefasta, a modos de um
«mau-olhado» - não viesse atrasar-nos a vida.
Madrugar não era fácil
para mim, que sempre preferi seroar. Em todo o caso, esses maios de manhãs bem
dormidas, sem alvoradas por via de costumes ancestrais que desconhecia,
parecem-me ter sido inofensivos. Ou será que tenho andado enganada este tempo
todo?
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto publicado no
jornal da S. C. M. do Cartaxo.
15 abril 2015
POEMA INCERTO
Falta apenas gravar
o poema
o altíssimo poema
alçado acima da cordilheira
tão íntimo e fundo
que só a candeia
da lua ousará
soletrá-lo ao mundo.
Falta o poema
sempre haverá de faltar
enquanto a voz recolhida
não encontrar medida
para o proclamar
à relva rasteira
ao fruto maduro
à mudez do cisne.
Enquanto se escreve
só se vive por dentro
entre o caos do sentimento
do som distorcido
do ar sem vibração
das letras libertárias
alheadas da regra
que as palavras lhes dão.
Se o turbilhão não aquietar
em valsa lenta contido
o sentir não tem motivo
morre o botão por abrir
seca o poema por florir
e as palavras se as houver
também elas vão morrer
à procura de sentido.
Maria Amélia de Vasconcelos
27-02-2015
Maria Amélia de Vasconcelos
FOTOS
O meu pai contava que um membro da nossa família, fotógrafo
profissional, era tão apurado na sua arte que, nos anos 40 e 50 do século
passado, conseguia que aparentasse estar bem escanhoado qualquer cliente que
exibisse uma barba, digamos, de três dias. Agora usa-se esse tipo de barba mas,
na altura, uma foto do tipo «passe», a exigida para documentos, deveria
identificar claramente o titular, pelo que, essas «meias tintas» a sombrearem a
face não convinham, de todo. Era aí que entrava a arte e a técnica que andam
sempre a par: retocar até que fosse atingido o resultado pretendido. Era o «fotoshop»
da época, certamente mais demorado e menos perfeito do que o atual, dependente,
apenas, da perícia do executante.
Gosto muito de fotografia. Aprecio as obras dos grandes
mestres – incluindo os do cinema – e também as fotografias que registam os
acontecimentos sociais, fontes históricas de grande valia que refrescam a
memória de gerações.
Tenho uma pequena máquina fotográfica, muito simples, de que
me sirvo, uma vez por outra, com resultados modestos, quase sempre. Escolho o
tema, o ângulo e a distância, o mínimo que se tem de fazer; fujo de mexer em
muitos botões porque, ignorando o respetivo potencial, arrisco-me a falhar o
objetivo. Fico-me pelo flash e pela aproximação e, assim, julgo garantir a
imagem que pretendo. E, quando digo «julgo garantir» estou a falar de uma
«fezada» pois, frequentemente, ao serem passadas para o écran do computador,
encontro fotos sem qualidade. Aí, valha-nos o «são delete»... e já cá não está
quem errou.
Nos primeiros dias deste mês de abril, muito luminosos, fiz
mais de cem fotografias em diversos ambientes. Parecia-me, contudo, que o visor
não me estava a devolver exatamente o que eu tinha focado; mas, na incerteza, e
porque queria registar todos os temas, fui sempre clicando. Ao descarregar a
máquina, foi a total desilusão: imagens sem definição, algumas quase brancas,
só mostrando um ou outro pormenor mais contrastado. Salvou-se uma dúzia, ou
pouco mais. Foi como se aquela luz intensa tivesse entrado no aparelho e dele
fizesse casa sua, e tivesse arrancado, com o poder daqueles detergentes de que
fala a publicidade, todas as cores, todos os contrastes, todas as sombras,
todas as nódoas, num delírio de limpeza, branco mais branco, sem concessões.
Para mim, uma leiga na tecnologia, aquilo raiava os contornos da bruxaria.
Analisada, porém, a máquina por quem percebe das subtilezas
dos automatismos, as peças encaixavam-se sem que caíssemos no domínio do
sobrenatural maléfico. No momento em que iniciei a sessão fotográfica,
inadvertidamente, terei tocado num daqueles botões que fazem coisas magníficas
nas mãos de quem os sabe premir, e lá fui continuando com os procedimentos
básicos usuais sem saber que estava a lidar com seda finíssima. Explicadas
aquelas imagens do tipo «o rei vai nu», como justificar, então, a tal dúzia de
fotos boazinhas, com bonitas sombras e cores naturais? Isso também me foi
explicado mas pouco retive do discurso, dado entender mal o «maquinês»,
sobretudo o que é empregue nos manuais de instruções.
Como o gosto pela fotografia não ficou beliscado por esta
desastrada aventura, continuarei a «disparar», havendo motivo ou sem ele, e,
espero eu, sempre se hão-de salvar umas quantas, das boazinhas.
Confesso-me uma fotógrafa de fé.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto
publicado no jornal da S. C. M. do Cartaxo.
28 março 2015
AZULEJOS
Barro roubado à terra
seu mais-que-profundo lar
de onde o arrancou
aquela mão ancestral
que primeiro o moldou.
Em exercício de geometria
rigor de linhas
absoluta regularidade
vibra um canto de alegria
nos volumes da cidade.
As faces e as arestas
e a exata cor
que o pintor escolheu
acrescentada pela cor
que o fogo depois lhes deu.
Azulejos reservas de luz
contidos lado a lado
entre nexos e reflexos
parábola material
de um ideal
da humanidade.
Maria Amélia de Vasconcelos
4-02-2015
TRIÂNGULO VITAL
Meados de março, um tempo atmosférico risonho, com anúncios
de primavera a pedirem roupas mais leves de dia, porque, de noite, o friozinho
continua, na medida certa, como manda o calendário.
Este terceiro mês do ano concentra muitos «dias de». Já se
comemorou o Dia da Mulher que, infelizmente, ainda faz sentido destacar, tamanha é a desigualdade de
género que se verifica no tratamento
menorizante, quando não desumano, de que a mulher é vítima, todos os
dias, em vários pontos do globo, num qualquer ponto perto de nós.
O Dia do Pai, 19 – dia de São José – homenageia os homens que
geraram amor e gratidão naqueles que criaram e educaram, sejam, ou não, pais
biológicos. Quando o não são, e dão exemplos de vida e de amor,
mais merecedores, ainda, de serem lembrados com carinho.
No próximo dia 21 começa oficialmente a primavera ( se ela
quiser, bem entendido). Para o mesmo dia estão
marcadas duas comemorações: o Dia Mundial da Floresta e o Dia Mundial da
Poesia. Temas tão
díspares, na mesma data? Pode parecer que sim, à primeira vista. No
entanto, os conceitos andam ligados
através da origem semântica da palavra «poesia»
que significa «a criação, o fabrico, a invenção». Mas, então, a floresta
pode ser criada, fabricada, inventada? A resposta é sim. O homem
que desmatou vastas áreas sem saber que punha em risco a
biodiversidade e o equilíbrio natural, ou, já sabendo do alcance negativo
dessas ações, tem persistido em as manter, a troco de vantagens económicas
imediatas e egoístas, é chamado, em nome do bem comum, à reinvenção da
floresta, com as espécies autóctones, plantadas e cuidadas de acordo com as
diretivas internacionais elaboradas cientificamente. Há acordos firmados entre
países nesse sentido, alguns cumpridos ou em vias de cumprimento, outros
ignorados, porque não são lucrativos a curto prazo. A percentagem das áreas
desmatadas tem vindo a cair, mas de forma tímida, ainda. É um primeiro passo do
esforço empreendido pela ONU que criou esta comemoração em 1971, adotada, desde
1972 em muitos países. Até ao final do século XX multiplicaram-se as campanhas
esclarecedoras que começam agora a produzir alguns resultados.
No dia 22, o dia seguinte, comemora-se o Dia Mundial da Água,
também uma iniciativa da ONU, de 1992, visando incutir nos habitantes do
planeta em geral, e nos decisores políticos, em particular, a ideia de que a
água potável – aquela que o ser humano pode usar na sua alimentação – é um bem
muito escasso e que tem de ser bem gerido e acautelado. Há populações que
morrem à fome por não terem água: Em consequência, emigram massivamente em
busca do que lhes falta. Deslocam-se nas mais degradantes condições, invadindo
outras regiões onde, quase sempre, são
mal acolhidas. As campanhas
assentam na ideia humanitária de que o direito à água é o direito à vida. De
toda a água existente na Terra, apenas 0,008% é potável. Esta diminuta
percentagem mostra bem o cuidado que tem de ser posto neste bem, que é preciso
que chegue a todos e que não pode ser detido apenas por alguns.
Nos dias 21 e 22 estamos a comemorar um triângulo de
interesses vitais e de benfazejas intenções que tocam a todos. Resumindo:
preservar e melhorar a floresta, o berço de muitas espécies vegetais e animais
e da qualidade do ar; cuidar dos ribeiros, rios, lagos e águas subterrâneas, o
sangue e a linfa da vida; amar a poesia, alimento da alma, a força para
encetarmos o caminho que conduz ao sentido mais profundo da própria vida.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto publicado no
jornal da S. C. M. do Cartaxo.
SEARA
Do céu haveria de tombar
sobre a seara madura
calcinada pelo agreste suão
uma núvem de asas e sombras
timbrada na bruma matinal.
Para cada bico ávido
seu grão saciante
e outro e outro mais
até se acender a manhã
no rodar dos girassois
e os bichos do chão
estenderem a própria fome
à fonte da saciedade.
Maria Amélia de Vasconcelos
19-01-2015
06 março 2015
MOIRAS
Na Grécia antiga, em séculos
muito anteriores à época clássica, a mitologia explicava o curso da vida
humana, e também da vida dos deuses, recorrendo à imagem de um fio, o fio da
vida, do qual se encarregavam três irmãs. Eram mal-amadas pelos povos que,
naturalmente, as temiam, não só devido aos seus poderes mágicos superiores,
como ao aspeto físico com que as concebiam e representavam: três mulheres
esguias e magras, de rostos fechados e inexpressivos.
A mais nova, Cloto, era a mais
gentil. A sua tarefa consistia em fabricar o fio, para o que manobrava o fuso e
a roca, dando, assim, início à vida. Protegia a conceção e o parto e,
solicitada pelos deuses, podia, até, ressuscitar aqueles a quem esses deuses
quisessem preservar. Na época clássica, a mitologia passou a atribuir a Cloto,
conjuntamente com Hermes, o deus mensageiro e mercador, a invenção do alfabeto,
ferramenta essencial para o avanço das civilizações.
A irmã do meio, Láquesis,
trabalhava no tear, cruzando o fio, tecendo e marcando o que de bom, ou de
menos bom, caberia a cada um viver. O tear, em forma de cilindro oco – a roda
da Fortuna – ia sendo coberto de tecido; no topo, o tecido da boa sorte, na
base, o tecido do infortúnio.
Quanto a Átropos, o seu atributo
era uma tesoura e o seu trabalho, como se depreende, era cortar o fio da vida.
As suas representações mais arcaicas mostram-na descarnada, ressequida e lúgubre.
Os romanos, colhendo dos gregos
muitos aspectos da sua cultura, ainda que com acrescentos e miscigenações,
deram às moiras a designação de Parcas e, com este nome, se cimentou e difundiu o mito, amplamente
aproveitado pela literatura e pela arte, não obstante os ensinamentos cristãos
que interditavam e desacreditavam as crenças primitivas.
A partir do Renascimento, a representação
destas entidades tornou-se mais rara e menos sombria, mostrando mulheres jovens
e belas com os atributos das suas funções, enquanto alegoria da vida que,
iniciando-se, segue um trânsito próprio até atingir o seu fim.
De longe, de muito longe no tempo,
recebemos este e outros mitos. Porém, quase sempre, eles nasceram no mesmo
berço: a Grécia, esse país europeu de montanhas e ilhas, habitado por povos
que, expandindo os seus territórios, alguns inóspitos, deixaram noutros povos
marcas tão profundas que ainda sobrevivem. Entre nós, portugueses, sabemos bem
o que significa «a roda da fortuna», a par com a imagem dos «alcatruzes da
nora», como também sabemos o que é «estar por um fio». Estas expressões tão
comuns são heranças imateriais que passaram de geração para geração, mantendo a
mesma carga cultural e o mesmo significado. Roladas durante séculos, estas
palavras estão vivas e não perderam o exato conteúdo.
Maria Amélia de
Vasconcelos
Texto publicado no
jornal da S. C. M. do Cartaxo.
25 janeiro 2015
MIRÓ
A comunicação social
portuguesa, ultimamente, não tem falado de Miró, ou, mais exactamente, das
obras do pintor catalão que se encontram em Portugal, fruto de um investimento
em arte realizado por um banco que, entretanto, faliu , e o qual o governo de
então «salvou», assumindo as suas dívidas. Ora, quando se assume uma dívida de
tantos dígitos, também se assume o património da entidade falida, o que, ao que
parece, terá acontecido. Por essa razão, ficou a pertencer ao estado português
um conjunto valioso de desenhos e pinturas que se encontram guardadas em
território nacional.
Talvez alguns leitores
não estejam lembrados de quem foi Miró, Joan Miró. Trata-se de um artista
plástico nascido perto de Barcelona em 1893. É mundialmente admirado e
estudado, estando muitas das suas obras expostas nos museus mais conceituados.
Foi também escultor, realizando peças de arte urbana, e igualmente ceramista,
em colaboração com um amigo de infância (Artigas) que tinha uma oficina de
oleiro.
Os primeiros desenhos
que dele se guardam datam de 1901 e já revelam perfeição, tendo em conta que
são obra de uma criança. Desde então não mais parou de desenhar e pintar,
apesar de, por parte do pai, não receber estímulos nesse sentido. O pai,
estabelecido como ourives e relojoeiro, decidiu que ele seguiria um curso
comercial. O jovem acatou a decisão paterna e fez o curso, ao mesmo tempo que,
como aluno voluntário, frequentava a Escola de Arte de Barcelona. Nesses
primeiros anos de ensino artístico apreendeu os rudimentos que darão, à sua
obra, um sentido de perfeito equilíbrio espacial e de domínio das cores puras
que utilizava, no início, sem sombras nem esbatidos. Prosseguiu estudos em
Paris, viajou, estabeleceu relações de amizade duradouras com intelectuais e
outros artistas, participou em exposições colectivas e individuais. Foi
recebendo críticas, algumas elogiosas , mas
a fama internacional só o alcança quando chega à maturidade, no período entre
as duas guerras.
Não podemos catalogar o
«seu estilo», porquanto, como a maioria dos artistas, foi experimentando várias
técnicas e novas abordagens aos temas durante a sua longa vida. Sabe-se que
cada obra era maduramente pensada e executada com rigor, num trabalho árduo de
muitas horas diárias. Homem reservado, vivia em família e para a sua arte.
Mesmo na juventude, não terá integrado tertúlias de amantes da boémia e dos
excessos. Estamos, pois, em presença de alguém que construiu, pela força do
querer e pela aplicação, uma carreira sólida e reconhecida.
Do acervo de trabalhos
provindos do banco nada sei e acho, até, que poucos saberão. Sei o que se disse
e que me entristece: será vendido em leilão quando a lei o permitir.
Pergunto-me, no entanto: não seria bom para a cultura que essas obras fossem
expostas, em Portugal, antes que o conjunto se desmembre e o seu rasto se
perca? Uma exposição não se organiza de um momento para o outro, é certo, e os
custos que envolve são altos. Mesmo assim! Não merecerão os portugueses, ainda
que por dois ou três meses, usufruir de um bem nacional que, provavelmente, não
voltará a estar reunido nunca mais?
Penso neste assunto com
alguma frequência. Para minha satisfação, há umas semanas atrás, ouvi na rádio,
a escritora Lídia Jorge emitir sobre ele uma opinião muito sustentada em que
defendia que, antes que a alienação aconteça, as obras deveriam ser expostas.
Alguém, com poder de decisão, ouviu Lídia Jorge? Quem dera que sim!
Maria Amélia de Vasconcelos
Texto
publicado no jornal da S. C. M. do
Cartaxo.Maria Amélia de Vasconcelos
Subscrever:
Mensagens
(
Atom
)